Tratar obesidade com remédio: custo, preconceito e desconfiança
Estado de Minas - Novos medicamentos para tratar a obesidade prometem mais efetividade e segurança, mas esbarram em entraves como a falta de acesso devido aos altos preços, a desconfiança e mitos como o de que perder peso é uma só uma questão de força de vontade.
Ao mesmo tempo, há uma unanimidade de que esses tratamentos podem funcionar do ponto de vista individual, mas não resolvem o problema da crescente obesidade populacional, que precisa ser enfrentada com mudanças comportamentais e políticas públicas de saúde.
O assunto tem sido discutido em várias mesas na principal conferência internacional sobre obesidade, a Obesity Week, que terminou nesta sexta (4) em San Diego (Califórnia).
Enquanto nos Estados Unidos, diretrizes médicas como as da Sociedade Americana de Gastroenterologia recomendam quatro diferentes medicamentos para tratamento da obesidade (semaglutida, liraglutida, fentermina-topiramato de liberação prolongada e naltrexona-bupropiona), no Brasil não há nenhuma substância disponível na rede pública de saúde.
O protocolo de tratamento da obesidade no país sai da prescrição de dietas para a cirurgia bariátrica, sem passar pelos medicamentos. Atualmente, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) avalia a incorporação da liraglutida no SUS.
A substância está aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2016. Já semaglutida tem aval para tratamento de diabetes e aguarda sinal verde como terapia para a obesidade.]
"Quando eu olho os bons resultados dessas novas substâncias, sei que vai ajudar os obesos a perder peso, reduzir comorbidades, melhorar qualidade de vida, eu só fico pensando: e os nossos pacientes? É sempre um dilema essa questão do acesso", diz a endocrinologista Cíntia Cecato, presidente da Abeso (Associação Brasileira de Estudo sobre a Obesidade e Síndrome Metabólica).
Serviços como os do ambulatório de obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde Cecato atua, são exceções. "É uma ilha no meio do país. Lá temos os medicamentos para tratar obesidade, comprados pelo hospital."
A discussão sobre acesso ganhou força após a aprovação da semaglutida (também conhecida pela marca Wegovy, da Novo Nordisk), pela agência reguladora americana (FDA) em 2021.
O medicamento tem um preço de tabela nos Estados Unidos de US$ 1.349,02 (cerca de R$ 6.000) por mês e pode provocar uma perda de peso de 15% a 17% em pessoas obesas. A substância tornou-se popular nas redes sociais no mês passado, após o bilionário Elon Musk atribuir o seu emagrecimento a ela.
Há outras drogas promissoras em estudo, como a tirzepatide, da Elli Lilly, que prometem resultados iguais ou até superiores aos da semaglutida, mas, segundo especialistas, quando chegar ao mercado, terá a mesma faixa de preço da concorrente.
Segundo Simone Tcherniakovsky, diretora de assuntos corporativos e de sustentabilidade da Novo Nordisk Brasil, a discussão de acesso é global porque as políticas de enfrentamento da obesidade não têm sido frutíferas. "Só alguns poucos países estão conseguindo deter o avanço", diz.
Ela afirma que no Brasil há alguns planos de saúde que já subsidiam medicamentos contra a obesidade para seus beneficiários porque entendem que essas pessoas têm mais comorbidades, internam mais e vão mais ao médico, condições que aumentam os custos.
No caso de uma eventual incorporação no SUS, Tcherniakovsky diz que sempre há uma grande negociação, o que leva à queda dos preços. Além disso, com a oferta de outras medicações e um ambiente mais competitivo, os preços também tendem a cair mais.
Para o endocrinologista Dan Bessesen, professor da Universidade do Colorado e presidente da Obesity Week, além do preço, há outros motivos que emperram a prescrição dessas novas drogas, como a desconfiança que muitos médicos ainda têm em relação aos emagrecedores.
Ele afirma que até a década passada não havia medicamentos efetivos para obesidade, e que os anorexígenos que estavam no mercado produziam perdas de peso modestas e, alguns casos, graves efeitos colaterais, que levaram alguns serem retirados do mercado.
"Isso criou um senso comum de que as medicações para o emagrecimento não são seguras e acabou afetando a percepção sobre outras drogas que não tinham os mesmos problemas."
Porém, segundo ele, o mundo vive atualmente uma nova era de tratamento da obesidade, com muitos medicamentos novos a caminho que vão promover mais perda de peso e redução do risco cardiovascular.
Essa nova classe de drogas são chamadas de incretinas, que são hormônios naturais que retardam o esvaziamento do estômago, regulam a insulina e diminuem o apetite. Os efeitos colaterais incluem náuseas, vômitos e diarreia, que costumam ser bem tolerados.
Para Bessesen, é preciso educar a sociedade para o fato de que a obesidade é uma doença crônica e que precisa ser tratada de forma adequada, com medicamentos acessíveis, combinados com mudança de estilo de vida.
"A gente não trata diabetes ou hipertensão só com mudança de estilo de vida. Na obesidade acontece o mesmo. Os medicamentos são necessários e muitas pessoas vão ter que tomar para o resto da vida. Eu não tomo meu remédio da pressão ou da diabetes por uma semana e paro de tomar quando estão controladas."
Para Cíntia Cecato, há outros desafios, como o reconhecimento da obesidade como uma doença crônica e que pode demandar tratamento contínuo. "As pessoas acham que vão fazer o tratamento e podem parar [o medicamento]. A medicação auxilia na perda de peso e na manutenção a longo prazo."
Porém, há controvérsias sobre esse conceito. Na opinião do cardiologista Luís Correia, diretor do centro de medicina baseada em evidência da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, condições como hipertensão, dislipidemia e obesidade não são doenças, mas sim fatores de risco para doença.
A diferença, segundo ele, é que a hipertensão e a dislipidemia não são são modificáveis com mudança de hábitos de vida e, por isso, demandam tratamento crônico. "Mas obesidade tem potencial de mudar com hábito."
Cíntia Cecato cita um outro desafio no tratamento da obesidade: o estigma. "Há pacientes que não podem contar aos familiares que estão usando um medicamento para obesidade porque são criticados, as pessoas acham que eles não precisam, que é só ter força de vontade para emagrecer."
Para Luís Correia, embora os medicamentos sejam importantes como estratégias individuais para controle da obesidade, o problema precisa ser combatido com estratégias populacionais, como ocorreu no caso do tabagismo.
"Hoje é proibida a propaganda de cigarro, mas não a de comida supercalórica. O problema da obesidade é de saúde pública, mais do que um problema clínico de um médico com seu paciente. Assim seríamos mais efetivos, embora os médicos fossem ganhar menos dinheiro."
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Fonte: Estado de Minas
Imagem: Reprodução GazetaWeb