Tire suas dúvidas sobre a varíola dos macacos

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 21/06/2022 08h20, última modificação 20/06/2022 18h38
Testagem, rastreamento de contatos e vacinação são medidas para barrar a doença

Com sintomas como febre, dores no corpo e feridas pelo corpo, a varíola dos macacos preocupa médicos e cientistas pela rápida disseminação. Desde o início deste surto, no mês passado, já são mais de mil casos confirmados, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em países onde a doença não é endêmica.

 

No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 8 de junho. O paciente é um homem de 41 anos que esteve na Espanha recentemente. Ele é mantido em isolamento no hospital Emílio Ribas, na zona oeste de São Paulo. Outros sete casos foram confirmados até esta segunda (20), em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.

 

Um dos pontos ainda em aberto é como o vírus se propagou tão rápido em diferentes países –fora da África, esse é o maior surto já visto. A pouca capacidade de produção da vacina para barrar a transmissão do vírus é outro aspecto que preocupa especialistas.

 

Abaixo, veja as principais questões que envolvem o atual cenário da doença e o que pode ser feito para barrar sua transmissão.

 

O que causa a varíola dos macacos?


A doença é causada pelo monkeypox, um vírus do gênero orthopoxvirus. Outro patógeno que também é desse gênero é o que acarreta a varíola, doença erradicada em 1980.

 

Embora tenham suas semelhanças, existem diferenças entre as duas doenças. Uma delas é a letalidade: a varíola matava cerca de 30% dos infectados. Já a varíola dos macacos conta com uma taxa de mortalidade entre 3% a 6%, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

 

Então a varíola dos macacos não significa um risco por ter menor letalidade?


Os riscos menores não indicam que a doença não é grave. Crianças, grávidas e imunossuprimidos são pessoas que podem desenvolver quadros mais graves, por exemplo.

 

"Não deixa de ser preocupante porque toda doença infectocontagiosa não é para correr solta. É preciso conter esses surtos", afirma Clarissa Damaso, virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessora do comitê da OMS para pesquisa com vírus da varíola.

 

Ela é uma das pesquisadoras que compõem o grupo de trabalho para enfrentamento da varíola de macacos organizado na UFRJ. A iniciativa realiza testes em pessoas suspeitas da doença e também deve acompanhar os pacientes para observar a evolução do quadro clínico e evitar a disseminação do patógeno.

 

Além do grupo da UFRJ, outros dois centros realizam testes para diagnosticar a doença no Brasil: o Instituto Adolf Lutz, em São Paulo, e a Funed (Fundação Ezequiel Dias), em Minas Gerais.

 

Outro caminho para diagnosticar a doença é um teste da empresa Roche. Carlos Martins, presidente da Roche Diagnóstica no Brasil, afirma que o produto é um exame PCR parecido com testes para Covid.

 

Segundo ele, os resultados dos exames ficam prontos entre 4 e 8 horas e o produto deve chegar ao Brasil em algumas semanas.

 

Como conter a disseminação do vírus?


Diminuir a transmissão envolve principalmente isolamento dos casos suspeitos e confirmados, além de imunizar pessoas que tiveram contato próximo com alguém infectado. Grupos de maiores riscos, como profissionais de saúde da linha de frente, também podem ser imunizados.

 

Segundo a OMS, a vacina contra a varíola tem uma taxa de eficácia de aproximadamente 85% para a doença causada pelo monkeypox. No entanto, ela não se encontra disponível para o público em geral. Em 2019, outro imunizante foi desenvolvido e tem eficácia na prevenção da varíola dos macacos, mas tem produção em pequena escala.

 

Atualmente, o Brasil não conta com as vacinas. Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, afirmou que a pasta está em contato com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) para avaliar compras de doses, mas ainda em avaliação.

 

O que explica a nova onda de casos?


A varíola dos macacos já era conhecida, mas era registrada principalmente em países africanos. O que deixou a comunidade científica em alerta foi a disseminação rápida do vírus para outros países fora da África.

 

Apesar da referência aos macacos, os hospedeiros naturais do monkeypox provavelmente são roedores, como ratos. A partir deles, o vírus pode ser transmitido aos humanos por meio do contato com fluidos ou lesões dos animais infectados.

 

De pessoa para pessoa, a transmissão acontece por meio de contato próximo. A infecção pode ser por vias respiratórias, mas é preciso contato face a face perto por tempo prolongado. Em comparação, o Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, também se transmite por vias respiratórias, mas não precisa de um contato tão próximo e nem prolongado.

 

Outra forma de infecção é por meio das feridas, parecidas com bolhas, que a varíola dos macacos causa na pele. Cristina Bonorino, imunologista e professora titular da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), explica que o líquido dentro dessas bolhas contém o vírus. Sendo assim, o contato direto com essas secreções também causa a propagação do patógeno.

 

Por justamente ter uma transmissão que precisa de contato muito próximo, os novos casos ainda carecem de explicações. "Nós não estamos entendendo exatamente como está acontecendo essa transmissão", afirma Damaso.

 

A hipótese mais relatada é que uma pessoa pode ter sido infectada na África e transmitido para outros indivíduos fora do continente africano em aglomerações.

 

Isso pode ter acontecido principalmente porque o início da doença tem sintomas comuns e pode gerar confusões. "Pode acontecer da pessoa estar no início da sintomatologia, se sentindo um pouco mal, mas confundir com uma gripe, por exemplo, e passar adiante", diz Damaso.

 

Outra hipótese que pode ser investigada são casos assintomáticos, diz Bonorino. "Uma pergunta é: será que existe uma forma que não causa bolhas e por isso se espalhou mais rapidamente? Não sabemos."

 

Uma terceira suposição é de mutações no patógeno. Vírus de DNA como o monkeypox têm uma chance muito menor de sofrer alterações. Mesmo assim, essa possibilidade não deve ser descartada, diz Raquel Stucchi, infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

 

"Realmente o vírus não costuma ter mudanças, mas alguma coisa aconteceu nele para explicarmos essa explosão tão grande de casos."

 

E como é o tratamento?


O tecovirimat é um medicamento que pode ser usado no tratamento. Recentemente, um estudo publicado na The Lancet investigou o remédio em casos de monkeypox e viu um efeito positivo.

 

Outro medicamento é o brincidofovir, antiviral que já tem aprovação do FDA (Agência de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos) para tratamento da varíola.

 

No entanto, nenhum dos remédios está disponível no Brasil. "Até o momento, a Anvisa não recebeu solicitação de autorização para vacina ou medicamentos contra a varíola ou varíola do macaco", informa a agência em nota.

 

A Anvisa também afirma que é responsabilidade das farmacêuticas fazerem o pedido e ainda indica que é "possível autorizar a importação [...] em situações de emergência de saúde pública".

 

O que fazer a partir de agora?


Embora a situação seja atípica, as chances da varíola dos macacos se tornar uma pandemia são pequenas pela baixa capacidade de transmissão do vírus.

 

Mesmo assim, medidas precisam ser tomadas. Elas envolvem principalmente testar casos suspeitos da doença, isolamento nos positivados ou até o resultado do exame e aplicação de vacinas naqueles que tiveram contatos.

 

"É importante a população não ter pânico. Não é uma doença nova. Sabemos que existe há muito tempo e temos armas para combater", afirma Damaso. Ela também explica que os antivirais podem ser úteis para tratar casos mais graves da doença no país.

 

Além disso, as especialistas afirmam que o novo surto só chamou atenção quando a doença se espalhou para regiões mais ricas do mundo, como Estados Unidos e Europa, mas quando era endêmica somente na África não tinha tanto apelo.

 

O fato abre alerta para as chamadas doenças negligenciadas, aquelas sem tanto investimento para pesquisas científicas. "Nós nunca damos importância ao que acontece na África até que chegue ao mundo todo", conclui Stucchi.

 

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Fonte: Folha de São Paulo

Imagem: Dado Ruvic/Reuters

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