Suplementos não devem substituir tratamento da depressão

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 26/06/2022 08h10, última modificação 24/06/2022 19h10
Especialistas afirmam que embora alguns sejam testados para as doenças, incluindo a ansiedade, as evidências não são de alta qualidade

A erva-de-são-joão "promove um humor positivo". A raiz de valeriana reduz "os níveis de ansiedade e estresse". O óleo de lavanda é "calmante para o corpo e a mente".

 

Se você está entre as dezenas de milhões de pessoas que sofrem de depressão ou ansiedade, é fácil ser atraído pela promessa de suplementos que melhoram o humor. Tome essas pílulas diariamente, sugere o marketing, e logo você estará saltando alegremente por campos verdejantes e ensolarados, sem necessidade de receita médica.

 

Embora especialistas digam que alguns suplementos para melhorar o humor são mais bem estudados do que outros, as evidências mais amplas sobre sua eficácia são, na melhor das hipóteses, instáveis.

"Não estou dizendo que há evidências de que essas coisas não sejam úteis", disse o dr. Gerard Sanacora, professor de psiquiatria na Escola de Medicina de Yale e diretor do Programa de Pesquisa da Depressão em Yale, nos Estados Unidos. É mais que "a qualidade das evidências não é de um nível em que podemos realmente confiar".

Quando comparados com outros tratamentos, como medicamentos tradicionais ou psicoterapia, disseram os especialistas, os suplementos ficam aquém. Aqui está o que sabemos sobre alguns dos suplementos mais comuns comercializados para a saúde mental.

 

Erva-de-são-joão, ácidos graxos ômega-3, l-metilfolato, s-adenosilmetionina (SAMe) e n-acetilcisteína (NAC) estão entre os suplementos mais comuns usados para tratar os sintomas da depressão. Mas alguns têm mais pesquisas em seu apoio do que outros.

 

ERVA-DE-SÃO-JOÃO

 

Esta planta florida está entre os suplementos mais bem estudados como tratamento para a depressão, mas nem todos os estudos sugerem benefícios.

 

"Na verdade, há uma boa quantidade de trabalho feito com a erva-de-são-joão ao longo dos anos", disse Sanacora. "Mas ainda não é a evidência de alta qualidade que você veria para um medicamento aprovado pela Agência de Alimentos e Drogas [FDA, na sigla em inglês]."

 

Uma análise de 35 estudos em 2016 que incluíram cerca de 7 mil pessoas, por exemplo, descobriu que a erva-de-são-joão foi melhor do que um placebo para ajudar pessoas com depressão leve a moderada; uma resenha de 2008 teve conclusões semelhantes. No entanto, dois estudos cuidadosamente conduzidos publicados em 2001 e 2002 não encontraram evidência de benefício.

 

Por isso, especialistas em saúde –inclusive no Instituto Nacional de Saúde– aconselham as pessoas a não usar a erva-de-são-joão em vez dos tratamentos convencionais. Os especialistas também aconselham cautela ao tomá-la devido ao potencial de interações adversas com outros medicamentos.

 

ÁCIDOS GRAXOS ÔMEGA-3

 

Suplementos para essas gorduras essenciais têm algumas –embora limitadas– evidências indicando que ajudam na depressão leve a moderada.

 

"Até o momento, os dados sugerem que o tratamento pode ter benefícios pequenos a modestos, mas isso está longe de ser uma descoberta definitiva", disse Sanacora, acrescentando: "Eu não diria que a evidência para esses estudos é de alta qualidade".

 

Uma análise de 2015 de mais de duas dúzias de estudos, por exemplo, concluiu que, mesmo que os suplementos de ômega-3 ajudassem na depressão, o benefício pode não ser grande o suficiente para ser significativo.

 

O doutor Dan Iosifescu, professor associado de psiquiatria na Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova York, concordou. "São dados muito mistos, e alguns estudos não veem muito benefício", disse ele. "Os dados são um tanto controversos."

 

L-METILFOLATO

 

Esta forma metabolicamente ativa de folato, uma vitamina B essencial, tem algumas evidências que apoiam seu uso para a depressão, segundo Sanacora, mas os dados gerais são conflitantes e não atingem a qualidade das evidências que sustentam os medicamentos aprovados. E pode ser útil apenas para pessoas específicas, particularmente aquelas que têm problemas para metabolizar ou usar folato corretamente no corpo, disse ele.

 

O dr. Sanacora também observou que a evidência existente era principalmente para l-metilfolato tomado em combinação com antidepressivos padrão, não como um suplemento tomado sozinho, então as pessoas não devem contar com o uso do suplemento isolado para tratamento.

 

TODOS OS OUTROS

 

A evidência de benefícios de outros suplementos no tratamento da depressão também não são plenamente confiáveis, disse Sanacora. Ele e outros especialistas disseram que houve estudos sobre suplementos SAMe e NAC, mas "não há dados sólidos para apoiar seu uso".

"E mesmo para os melhores os dados são questionáveis", disse Sanacora.

SUPLEMENTOS PARA ANSIEDADE

Os principais suplementos usados contra ansiedade –incluindo lavanda, kava e raiz de valeriana– têm ainda menos evidências que os de depressão e carecem de pesquisas fortes e de alta qualidade, pelo menos até onde os especialistas sabiam.

 

"Isso não significa que eles não sejam eficazes", disse o dr. Sanacora. "Simplesmente não houve a pesquisa rigorosa que é feita normalmente para medicamentos que solicitam indicações da FDA."

 

O dr. Iosifescu disse que acha que kava tem evidências moderadas de benefício; no entanto, ele alertou que ela pode ter um risco raro, mas sério, de toxicidade hepática.

 

TEM PROBLEMA EXPERIMENTAR?

 

Alguns podem pensar que tomar um suplemento para depressão ou ansiedade não faria mal, então por que não tentar? Mas os especialistas alertaram que pode haver riscos e desvantagens potenciais.

 

Os suplementos podem ser caros e podem causar efeitos colaterais ou interações medicamentosas adversas. E os suplementos não são tão rigorosamente regulamentados quanto os medicamentos aprovados pela agência americana e os medicamentos de venda livre, e não precisam ter a segurança e eficácia comprovadas antes de ser vendidos.

 

"Não há tanta supervisão em comparação com os produtos farmacêuticos tradicionais, que exigem que as pílulas sejam fabricadas de maneira consistente, com dosagem consistente", disse Paul Nestadt, codiretor da Clínica de Transtornos de Ansiedade na Universidade Johns Hopkins e professor assistente de psiquiatria e ciências comportamentais na escola de medicina da Universidade Johns Hopkins.

 

Megan Olsen, conselheira geral do Conselho de Nutrição Responsável, uma associação comercial da indústria de suplementos, escreveu em declaração a The New York Times que as empresas de suplementos foram autorizadas a fazer alegações relacionadas à saúde sobre o "efeito de seus produtos na estrutura ou função do corpo" e que essas alegações devem ser apoiadas por provas.

 

Mas o dr. Pieter Cohen, professor associado da escola de medicina de Harvard, disse que as empresas de suplementos raramente são responsabilizadas por certas alegações de saúde associadas a seus produtos. Desde que o fabricante não afirme que o produto tratará ou curará uma doença específica, "ele pode dizer o que quiser", explicou Cohen.

 

Outro risco potencial dos suplementos é paradoxal: eles podem exacerbar uma condição de saúde mental. Nestadt disse que há algumas evidências, por exemplo, de que a erva-de-são-joão poderia induzir um episódio maníaco em pessoas com transtorno bipolar.

 

Talvez um dos maiores riscos seja que as pessoas podem tomar um suplemento em vez de buscar um tratamento comprovado para ansiedade ou depressão.

 

"Não estou tão preocupado que alguém experimente lavanda ou camomila", disse Sanacora. "Me preocupo muito mais com os riscos associados à demora para ter um tratamento eficaz."

 

Se a depressão ou ansiedade for grave, dizem os especialistas, é improvável que os suplementos ajudem, e a pessoa deve consultar um profissional qualificado. Na verdade, os especialistas recomendam consultar um profissional de saúde antes de tomar qualquer suplemento, independentemente do que ele pretenda tratar.

 

QUAIS TRATAMENTOS REALMENTE FUNCIONAM?

 

Medicamentos tradicionais e psicoterapia, incluindo antidepressivos e terapia cognitivo-comportamental, têm evidências da mais alta qualidade de benefício para ansiedade e depressão, disseram especialistas.

 

Eles também mencionaram tratamentos como estimulação magnética transcraniana, uma técnica não invasiva que estimula uma determinada área do cérebro com pulsos magnéticos; a FDA aprovou esse tratamento para depressão e transtorno obsessivo-compulsivo.

 

Exercício físico também pode ser benéfico, disseram os especialistas. Embora não haja tanta evidência de alta qualidade quanto as outras abordagens, o dr. Sanacora disse que ainda há dados muito bons sobre sua eficácia para ansiedade e depressão leves a moderadas. E, acrescentou, ao contrário dos suplementos, o exercício é gratuito. "É sempre um equilíbrio entre o que é prático e sustentável versus as evidências."

 

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

 

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Fonte: Folha de São Paulo/The York Times

Imagem: Pixabay

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