Solidão pode ter efeitos positivos na saúde mental e física

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 27/07/2022 13h10, última modificação 27/07/2022 12h34
Aprender a curtir a própria companhia pode ser uma saída para envelhecer bem e se conectar consigo mesmo

Sally Snowman adora ficar sozinha. Zeladora do Boston Light, farol centenário na Ilha Little Brewster, no porto de Boston, ela já tem esse costume. Durante a maior parte dos últimos 19 anos, morou lá todos os anos durante os meses de abril a outubro.

 

Ela ocupa seus dias com trabalho, limpando as janelas, cortando a grama e varrendo a escada em espiral da torre do farol de quase 30 metros. Lê muito e frequentemente assiste ao pôr do sol. E gosta de cada minuto. "É um alívio estar na ilha quando estou sozinha, as coisas se acalmam", afirmou Snowman, de 70 anos. O tempo que passa sozinha é restaurador.

 

Mas nem todo mundo sente o mesmo em relação à solidão e, nos últimos dois anos, a pandemia impôs alguma versão dela a todos nós. Vimos menos amigos e passamos mais tempo em casa. Houve os que se sentiram mais solitários, especialmente se já eram solteiros ou viviam sozinhos.

 

À medida que entramos em uma nova fase da pandemia que é menos "higienize suas compras" e mais "bom, acho que esse é o novo normal", períodos ocasionais de isolamento podem ser normalizados em nossa vida, com cartões de vacinação digital ou uma gaveta exclusiva para guardar as máscaras.

 

Se está esperando por mais ou por menos tempo sozinho, a solidão é algo que você pode aprender a gostar.

 

A SOLIDÃO É MAIS AGRADÁVEL SE VOCÊ A TIVER SOB CONTROLE

 

O modo como encaramos nosso tempo sozinhos depende em grande parte de como escolhemos usá-lo, apontou Virginia Thomas, professora assistente de psicologia do Middlebury College que estuda a solidão: "As pessoas que buscam o isolamento por vontade própria, ou a 'solitude', tendem a relatar que se sentem cheias – como se estivessem cheias de ideias, pensamentos ou coisas para fazer. Isso é diferente da solidão, estado negativo em que você está desconectado de outras pessoas e se sente vazio."

 

A chave é ver a solidão como uma escolha, não como punição.

 

Em uma pesquisa de 2019, Thomas descobriu que adolescentes que deliberadamente buscavam ficar sozinhos mostravam níveis mais altos de bem-estar e eram menos solitários do que seus pares que estavam sozinhos apenas por causa das circunstâncias.

 

O mesmo aconteceu com jovens adultos de 18 a 25 anos, que também apresentaram aumento dos níveis de crescimento pessoal e autoaceitação, e níveis mais baixos de depressão. Na verdade, a maioria das pesquisas mostra que nos beneficiamos mais da solidão conforme envelhecemos, afirmou Thomas, à medida que desenvolvemos mais controle sobre nosso tempo e melhores habilidades cognitivas e emocionais para nos ajudar a usá-lo de forma mais construtiva.

 

Jenn Drummond, 41, alpinista de Park City, em Utah, passa muito tempo sozinha enquanto treina para se tornar a primeira mulher a escalar os Sete Segundos Cumes, a segunda montanha mais alta – e geralmente mais difícil – em cada continente.

 

Quando se pega "entrando em um padrão melancólico", ela se lembra de que está no comando. "A solidão está acontecendo comigo. A solitude está acontecendo para mim. Essa pequena mudança faz a maior diferença", explicou Drummond.

 

VOCÊ PODE APRENDER A GOSTAR, MESMO QUE NÃO SEJA INTROVERTIDO

 

Você pode supor que apenas os introvertidos se beneficiam da solidão, mas a pesquisa não deixa claro se eles são realmente mais hábeis em ficar sozinhos, observou Thomas: "Qualquer pessoa, com qualquer personalidade, pode apreciá-la – com uma ressalva: se souber usá-la bem."

 

Isso significa decidir o que você quer do seu tempo – processando uma situação difícil, usando a criatividade ou apenas desfrutando alguns minutos sem que alguém com menos de cinco anos lhe peça algo.

 

"Sem um objetivo, vamos jogar espaguete na parede, e isso pode provocar uma falsa sensação de fracasso, como: 'Ah, não sou boa em ficar sozinha'", disse Gina Moffa, psicoterapeuta de luto e trauma em Nova York, acrescentando que a solidão pode ter um efeito calmante na mente e no corpo, o que pode ser desanimador para quem geralmente compara a felicidade com a sensação de se sentir energizado. Essa pessoa, normalmente, fica entediada ou inquieta.

 

A chave para dissipar o desconforto é substituí-lo por algo agradável. "Se você não sabe por onde começar, pense em alguma coisa que gosta de fazer em geral e tente fazê-la sozinho", aconselhou a terapeuta.

 

E, não, passar horas no Twitter não conta como solidão saudável. Em um estudo de 2020, Thomas acompanhou 69 participantes por uma semana, tendo concluído que se sentiam mais emocionalmente satisfeitos com a solidão quando estavam realmente sozinhos, sem o celular, do que quando estavam sozinhos, mas ainda com o telefone.

 

"Se você quer se conectar consigo mesmo ou se sentir calmo ou criativo, navegar por mídias sociais vai lhe dar aquilo de que precisa?", perguntou ela. Na maioria das vezes, a resposta é não.

 

HÁ MANEIRAS DE FAZER DA SOLIDÃO ALGO MAIS FÁCIL

 

Jim "Ox" van Hoften, ex-astronauta da Nasa, experimentou uma solidão muito particular; durante suas missões ao espaço na década de 1980, ficou isolado da família, da rotina e, literalmente, do mundo.

 

"Mesmo assim, houve apenas algumas vezes em que senti que estava realmente sozinho", contou Van Hoften, de 77 anos. Embora a tripulação pudesse contatar o controle de solo por apenas 20 minutos a cada órbita de 90 minutos, ele ainda se sentia apoiado: "Mesmo no espaço sideral, você nunca está sozinho, tem sempre alguém ajudando."

 

Isso também é verdade na Terra. Contatar um amigo ainda pode fazer parte do seu ritual de solidão, segundo Moffa. "Na verdade, ter espaço para fazer isso enquanto estamos nesse lugar de solidão pode tornar a comunicação mais profunda e a conexão mais autêntica, porque estamos sem as muitas camadas de distração ao nosso redor."

 

Você também pode fazer uma atividade solitária, mas compartilhá-la com a comunidade. Moffa, por exemplo, faz parte de um bate-papo em grupo com amigos que mandam uns aos outros por mensagens de texto seus pontos no Wordle todos os dias. "Todos nós fazemos isso silenciosamente por conta própria, mas se torna algo que nos conecta quando o compartilhamos."

 

A solidão também pode envolver o silêncio, que, descobriu-se, é capaz de diminuir o estresse, melhorar o sono e ajudar a tomar decisões para algumas pessoas. Mas, sem estrutura, pode ser intimidante, ressaltou Eloise Skinner, que passou um ano como monja em uma comunidade monástica moderna.

 

Pratique ficar confortável com o silêncio durante pequenos momentos do seu dia, primeiro enquanto faz outra coisa – como cozinhar ou caminhar – e, depois, enquanto apenas fica parado.

 

"Na comunidade monástica, todos os momentos de silêncio têm um propósito", explicou Skinner, 30. Adicionar uma estrutura ao seu silêncio – escrevendo um diário ou ouvindo sua respiração – pode torná-lo mais satisfatório.

 

Se você só precisa ouvir uma voz, que seja a sua. Liz Thomas, de 36 anos, corredora profissional de longa distância que já fez 16 mil quilômetros sozinha, promove conversas animadas consigo mesma usando seu nome de trilha, Snorkel. "Vamos lá, Snorkel, você tem de levantar essa tenda." Falar consigo mesma na segunda pessoa acalma suas preocupações, algo que os pesquisadores também descobriram em um estudo de 2014.

 

VOCÊ PODE ENCONTRAR A SOLITUDE EM QUALQUER LUGAR

 

Sally Snowman não passa a noite na Ilha Little Brewster desde 2019. Ainda vai várias vezes por semana para a manutenção de rotina, mas a Guarda Costeira está em processo de transferência da administração do farol e não precisa tanto dela lá.

 

Recapturar a sensação de calma que sentia quando estava lá tem sido "o desafio final" no continente, segundo ela, que começou a visitar um parque local nos horários de pico, "olhando além dos aspectos feitos pelo homem e me concentrando só nas árvores".

 

Em seguida, ela tenta manter essa tranquilidade e esse contentamento e trazê-los para casa. "Encontre um lugar ao qual você se sinta conectado. Então pratique encontrá-lo dentro de você sem literalmente ter de ir até lá."

 

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Fonte: Folha de São Paulo

Imagem: Sameer Ai-Doumy/AFP

Edição: Site TV Assembleia