Sepse causa a morte de 11 milhões de pessoas a cada ano

por Helorrany Rodrigues da Silva publicado 15/09/2021 11h24, última modificação 15/09/2021 11h24

O Dia Mundial da Sepse foi lembrado nessa segunda-feira (13). Durante a semana, entidades e especialistas que estudam a doença buscam conscientizar a população sobre esta síndrome, a principal causadora de mortes dentro das unidades de tratamento intensivo (UTIs). Segundo a Organização Mundial da Saúde, a sepse mata 11 milhões de pessoas a cada ano, muitas delas crianças e idosos, e incapacita outros milhões. No Brasil, estima-se que ocorram 240 mil mortes ao ano em decorrência de um conjunto de manifestações graves em todo o organismo produzidas por uma infecção. E a pandemia de Covid-19 veio a contribuir para o aumento deste problema dentro das unidades hospitalares. André Japiassu, coordenador de Atenção aos Pacientes Interno do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, apresenta um panorama da sepse no Brasil e no mundo e fala sobre as ações adotadas pelo INI para combatê-la dentro do Hospital Evandro Chagas e do Centro para Pandemia de Covid-19.

Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas), instituição que busca promover ações que reduzam o impacto da sepse em termos de vidas perdidas, repercussões a longo prazo em sobreviventes e custos para o sistema de saúde, explica que a sepse era conhecida antigamente como septicemia ou infecção no sangue e hoje é mais conhecida como uma infecção generalizada. Atualmente, é também uma das principais causas de mortalidade hospitalar tardia, superando o infarto do miocárdio e o câncer. A mortalidade no Brasil chega a 65% dos casos, enquanto a média mundial está em torno de 30 a 40%.

O que é a sepse?

André Japiassu: A sepse é a disfunção de um ou mais órgãos decorrente da presença de uma infecção. Essa infecção pode ser grave, inicialmente, ou pode não ser tão grave, mas que não foi tratada ou não foi controlada adequadamente. É uma infecção que pode acarretar uma resposta inflamatória, inicialmente, no próprio órgão onde ela se originou e se estender e afetar outros órgãos também, causando uma inflamação em diferentes partes do corpo. A sepse acomete pessoas de qualquer idade, sendo mais comum em recém nascidos e pacientes idosos, mas afeta também aqueles que tenham algum grau de deficiência no sistema imune, que chamamos de imunossupressão.

A importância de se reconhecer a sepse de modo imediato, mais precocemente, é que ela é uma infecção que depende do momento em que foi diagnosticada. Assim como o infarto do coração ou um acidente vascular encefálico, o timing de diagnóstico e tratamento da sepse é fundamental para saber como o paciente vai se recuperar. Ou seja, se você faz o diagnóstico rapidamente e o paciente é tratado no intervalo de poucos minutos ou horas, ele tem mais chance de sobreviver. Já o paciente que é diagnosticado e tratado tardiamente, possui um maior risco de falecer.

Como é feito o tratamento?

André Japiassu: O principal foco de tratamento é o início de antibiótico para as infecções bacterianas. Para se ter uma ideia, a cada hora de atraso em começar o medicamento, você agrega de 7% de chance de morte. É por isso que, idealmente, deve se iniciar o antibiótico de uma a três horas, no máximo, e quanto mais precoce, melhor. Além disso, o tratamento da sepse é feito com hidratação, pois são pacientes que geralmente já estão muito depauperados, chegam desidratados, manter uma pressão arterial normal, porque muitos estão com a pressão arterial baixa (hipotensão), eventualmente cuidados de ventilação para aqueles que chegam com insuficiência respiratória, cuidados renais para quem desenvolve insuficiência renal e precisa de diálise. Enfim, buscamos fazer o tratamento de suporte em geral para esses pacientes. 

Qual o panorama da epidemiologia da sepse no Brasil e no mundo?

André Japiassu: A primeira definição de sepse ocorreu na década de 1990. Alguns experts americanos achavam que havia muita diferença das definições nos diferentes artigos e grupos de pesquisa na época, então se pensou numa normatização sobre o que é sepse para todos falarem a mesma língua. Esta definição foi aplicada de 1991 até 2016 (que considerou sepse uma resposta inflamatória do organismo a uma infecção). Em 2016 ela foi aperfeiçoada (sendo considerada como uma resposta desregulada a uma infecção que promove disfunção orgânica e risco de vida para o paciente) e os dados mais recentes da epidemiologia da doença apontam que ela ocorre de maneira frequente nos hospitais, principalmente nas UTIs, e depende muito o número de casos da população de risco.

Então, se você tem um grupo de pacientes atendidos com uma idade muito jovem, como neonatos, ou muito idosos, naturalmente, a chance de sepse é maior, assim como se você conta com uma população de pacientes imunocomprometidos, como aqueles com HIV/Aids, HTLV, cardiopatas, com doença de Chagas, e eventualmente até outras infecções como as fúngicas crônicas. Podemos incluir também pacientes que fizeram transplante, que estão em tratamento de câncer e recebem quimio e radioterapia.

O panorama atual no mundo é de um aumento no número de casos de sepse, paulatinamente, ao passo que a mortalidade relacionada a ela vem caindo em todo o globo, por conta de inúmeros métodos de tratamento. Nos Estados Unidos, a mortalidade girava em torno de 40 a 50% antes da década de 1990, e atualmente está em 20% de mortalidade hospitalar. Na Europa os números são semelhantes. Mas nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos essa mortalidade é maior. No Brasil estamos em torno de 50 a 60%, sendo maior quando o paciente tem choque, ou seja, hipotensão grave.

Diferentes estudos mostram que nos últimos 20 anos a mortalidade da sepse não mudou ou melhorou significativamente em nosso país, por diferentes motivos. Um deles é a falta de reconhecimento por parte da população leiga. Menos de 10% da população brasileira conhece a sepse. Isso é uma pesquisa de 2014, ao passo que mais de 90% sabe o que é infarto do coração. Outro fator é a falta de reconhecimento e tratamento imediato nos hospitais. Muitos deles não contam com um protocolo de sepse, gerando assim o diagnóstico ou tratamento tardio da infecção. E, claro, um outro fator é a falta de uma ampla campanha de combate a sepse em nível nacional.

Eventualmente temos ações como as feitas pelo Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas) ou pelo Ministério da Saúde, atentando para esse tipo de problema, mas ainda não houve uma campanha de abrangência nacional, tanto em hospitais públicos quanto privados para combater a sepse.

Nós esperamos que o 13 de setembro seja lembrado como o Dia de Combate a Sepse e que ano após ano você tenha a educação tanto do público leigo quanto dos profissionais de saúde, além de uma responsabilização por conta de entidades governamentais, privadas, das operadoras de saúde, enfim, de todos aqueles que conseguem tomar ações maiores dentro de hospitais e de estruturas primárias e secundárias de saúde para o reconhecimento precoce e a prevenção destas manifestações graves à saúde.

Como a sepse é tratada no INI?

André Japiassu: O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas elaborou, em 2016, um protocolo de reconhecimento da sepse que era aplicado tanto no Setor de Pronto-atendimento do Hospital Evandro Chagas, quando no Setor de Internação. O objetivo era fazer o diagnóstico precoce através da alteração de sinais vitais e do exame clínico que checa uma disfunção de órgão como sonolência, pressão baixa, hipotensão, dificuldade respiratória, disfunção renal, entre outras, e também através de exames laboratoriais simples, logo que o paciente chegava na unidade.

Por conta da triagem no Setor de Enfermagem, o paciente com sinais precoces de possibilidade de ter sepse era encaminhado diretamente para o médico, que o examinava, coletava os primeiros exames e começava um tratamento com hidratação e antibiótico imediato. Com o resultado dos exames e a observação do paciente, era firmado ou não o diagnóstico de sepse. Nós diagnosticávamos sepse muito frequentemente, principalmente nos anos de 2018 e 2019, e reduzimos nossa mortalidade, que estava em torno de 50%, para um patamar de 30%, incluindo pacientes com HIV/Aids, tuberculose, HTLV, doença de Chagas e outras doenças infecciosas crônicas.

Com a chegada do novo coronavírus e a abertura do Centro Hospitalar para Pandemia de Covid-19, passamos a ter pacientes com covid grave que não deixa de ser uma sepse. A diferença do covid é que não há um tratamento específico antiviral para ele. Você tem que tratar o paciente de maneira precoce, vendo a questão da insuficiência respiratória, da hipotensão, da deficiência renal. Então, o covid não deixa de ter uma abordagem como a da sepse também. 

O covid levou muitos brasileiros à hospitalização e quando a doença é grave, os pacientes entram em insuficiência respiratória, são entubados, ficam em ventilação mecânica e permanecem internados, em média, de duas a três semanas. Então, até o fato deles estarem internados por mais tempo e em ventilação mecânica, de terem acessos vasculares e cateteres vesicais, eles possuem mais chances de ter alguma infecção hospitalar. Incrementamos muitas profilaxias — as prevenções de infecções hospitalares — em nosso Centro Hospitalar e passamos a fazer mais exames no intuito de identificar a sepse mais precocemente com auxílio da nossa Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH).

Através da discussão diária dos pacientes e das medidas de alguns biomarcadores, que são marcadores de infecção dosadas no sangue, incorporadas na nossa prática cotidiana, todo paciente que tem alguma suspeita de infecção ou de sepse é prontamente tratado com antibióticos, no caso da infecção bacteriana. Então, desta forma conseguimos equilibrar a mortalidade por covid em nossa unidade, que estava em torno de 45 a 50% no início do funcionamento do Centro Hospitalar, em 2019, e que hoje está em torno de 30%.

Com informações Fiocruz
Imagem: Pfizer