Segurança alimentar nos domicílios brasileiros volta a crescer em 2023
No quarto trimestre de 2023, tendo como referência os três meses anteriores à data de realização da pesquisa, dos 78,3 milhões de domicílios particulares permanentes no Brasil, 72,4% (56,7 milhões) estavam em situação de segurança alimentar, ou seja, tinham acesso permanente à alimentação adequada. Essa proporção cresceu 9,1 pontos percentuais (p.p.) frente à última pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a investigar o tema, a POF 2017-2018, que havia encontrado 63,3% dos domicílios do país em situação de segurança alimentar.
No entanto, 21,6 milhões de domicílios (27,6%) eram afetados por algum grau de insegurança alimentar. A forma mais grave englobava cerca de 3,2 milhões de domicílios (4,1%). Os dados são do módulo Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgado nesta quinta-feira, 25, pelo IBGE.
Realizada por meio de uma parceria entre o IBGE e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, a pesquisa teve como referencial metodológico a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), que permite a identificação e classificação dos domicílios de acordo com o nível de segurança alimentar de seus moradores. Esta é a primeira vez que a PNAD Contínua disponibiliza resultados segundo os critérios da EBIA, mas quatro divulgações anteriores do IBGE já abordaram o tema segurança alimentar segundo essa escala: os Suplementos sobre Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que fizeram parte da PNAD em 2004, 2009 e 2013, além da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018.
A proporção de domicílios em segurança alimentar havia atingido nível máximo em 2013, (77,4%), mas caiu em 2017-2018 (63,3%). “Após a tendência de aumento da segurança alimentar nos anos de 2004, 2009 e 2013, os dados obtidos pela POF 2017-2018 foram marcados pela redução no predomínio de domicílios particulares que tinham acesso à alimentação adequada por parte de seus moradores. Em 2023 aconteceu o contrário, ou seja, houve aumento da proporção de domicílios em segurança alimentar, assim como diminuição na proporção de todos os graus de insegurança alimentar”, explica André Martins, analista da pesquisa.
No último trimestre de 2023, 27,6% (21,6 milhões) dos domicílios particulares no Brasil estavam com algum grau de insegurança alimentar sendo que 18,2% (14,3 milhões) enquadraram-se no nível leve, 5,3% (4,2 milhões) no moderado e 4,1% (3,2 milhões) no grave. A proporção de domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave (9,4%) recuou 3,3 pontos percentuais (p.p.) frente à POF 2017-2018 (12,7%), mas ainda se encontra 1,6 p.p. acima da PNAD 2013 (7,8%).
O cenário de insegurança alimentar grave foi mais expressivo nas áreas rurais do país. A proporção de domicílios particulares em insegurança alimentar moderada ou grave nessas regiões foi de 12,7%, contra 8,9% nas áreas urbanas. Ainda assim, o percentual nas áreas rurais foi o menor desde a PNAD 2004 (23,6%).
Na comparação entre os dados obtidos pelo módulo Segurança Alimentar da PNAD Contínua no quarto trimestre de 2023 e os da POF 2017-2018, houve redução de cerca de 25,0% no número de domicílios em insegurança alimentar leve. Em relação a 2004 e 2009, o percentual da forma mais branda de insegurança alimentar foi semelhante. Nos últimos cinco anos, entre 2018 e 2023, ocorreu pequena redução da prevalência de insegurança alimentar moderada e manutenção do patamar de insegurança alimentar grave.
Insegurança alimentar é mais presente nas regiões Norte e Nordeste
Apesar de apresentarem mais da metade dos moradores com acesso pleno e regular aos alimentos, considerando aspectos qualitativos e quantitativos, as regiões Norte (60,3%) e Nordeste (61,2%) tiveram as menores proporções de domicílios particulares em segurança alimentar. Esses valores correspondem, em número de domicílios, a 3,6 milhões no Norte e 12,7 milhões no Nordeste.
O Sul foi a região com maior participação de domicílios em segurança alimentar (83,4%), com cerca de 9,7 milhões de residências nessa situação. As regiões Centro-Oeste (75,7%) e Sudeste (77,0%) também tiveram bem mais que a metade dos seus domicílios em segurança alimentar.
O quadro de insegurança alimentar leve foi observado em aproximadamente ¼ dos domicílios particulares nas regiões Norte (23,7%) e Nordeste (23,9%), indicando uma grande quantidade de moradores vivendo com preocupação ou incerteza da manutenção do acesso aos alimentos, o que pode comprometer a qualidade da dieta e a sustentabilidade alimentar da família.
As proporções de insegurança alimentar moderada e grave também foram maiores no Norte e no Nordeste. O Norte (7,7%) teve cerca de quatro vezes mais domicílios convivendo com restrição severa de acesso aos alimentos, ou seja, com insegurança alimentar grave, quando comparado ao Sul (2,0%). As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste foram as áreas com percentuais mais elevados de domicílios particulares, com prevalências de insegurança alimentar grave de 7,7%, 6,2% e 3,6%, respectivamente.
“Por outro lado, a insegurança alimentar grave esteve em menos de 5% dos domicílios das regiões Sudeste (2,9%) e Sul (2,0%). Essas informações revelam que as desigualdades regionais de acesso aos alimentos verificadas nas PNADs de 2004, 2009 e 2013, e na POF 2017-2018, continuaram presentes na PNAD Contínua 2023 e que o cenário de concentração da insegurança alimentar permanece no Norte e no Nordeste”, observa André.
Em 2023, o Pará foi o estado que apresentou a maior proporção de domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave (20,3%), um em cada cinco domicílios, com Sergipe (18,7%) e Amapá (18,6%) em seguida. No sentido oposto, Santa Catarina (3,1%), Paraná (4,8%), Espírito Santo (5,1%) e Rondônia (5,1%) tiveram os menores percentuais. No âmbito nacional, 9,4% dos domicílios estavam em insegurança alimentar moderada ou grave.
Homens e pessoas da cor ou raça branca eram maioria entre os responsáveis por domicílios em segurança alimentar
Quanto ao perfil da pessoa responsável por cada domicílio, apesar de a participação de mulheres como responsáveis pelo domicílio (51,7%) na população total ter sido um pouco superior a de homens (48,3%), quando se observa os domicílios em segurança alimentar essa relação se inverte (48,7% contra 51,3%, respectivamente). Nos domicílios em insegurança alimentar, 59,4% tinham responsável mulher. Dentre os graus de insegurança alimentar, a situação de insegurança alimentar moderada foi a que apresentou a maior diferença, 21,2 p.p. (60,6% e 39,4%, respectivamente).
No recorte por cor ou raça, 42,0% dos responsáveis pelos domicílios eram da cor ou raça branca, 12,0% da cor ou raça preta e 44,7% da cor ou raça parda. No contexto de insegurança alimentar, domicílios com responsáveis de cor ou raça branca eram 29,0%, os de cor ou raça preta, 15,2%, e os de cor ou raça parda, 54,5%. Nos casos de insegurança alimentar grave, a participação de domicílios com pessoa responsável de cor ou raça parda passa para 58,1%, mais do que o dobro da parcela que representa os domicílios cujos responsáveis eram de cor ou raça branca (23,4%).
O módulo Segurança Alimentar da PNAD Contínua referente ao quarto trimestre de 2023 também mostrou uma associação oposta entre o nível de instrução do responsável pelo domicílio e o grau de insegurança alimentar. Domicílios cujos responsáveis tinham baixa escolaridade tendiam a apresentar maior participação na insegurança alimentar.
Mais da metade (52,7%) dos domicílios que estavam em situação de insegurança alimentar tinham responsáveis com menor nível de instrução (no máximo o ensino fundamental completo), ao passo que em 7,9% desses domicílios os responsáveis tinham nível superior. Nos domicílios em insegurança alimentar grave, 67,4% tinham responsáveis sem instrução ou com ensino fundamental incompleto ou completo, enquanto em 2,9% os responsáveis cursaram o nível superior.
Distribuição dos domicílios particulares permanentes, por situação de segurança alimentar existente no domicílio, segundo algumas características - Brasil - 2017-2018 | ||||||
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Algumas características | Distribuição dos domicílios particulares permanentes (%) | |||||
Total | Situação de segurança alimentar existente no domicílio | |||||
Com segurança alimentar | Com insegurança alimentar | |||||
Total | Leve | Moderada | Grave | |||
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Números de moradores | ||||||
Até 3 moradores | 73,2 | 75,3 | 67,5 | 65,4 | 70,2 | 73,0 |
4 a 6 moradores | 25,7 | 23,8 | 30,5 | 32,8 | 27,6 | 24,3 |
7 moradores ou mais | 1,2 | 0,9 | 2,0 | 1,7 | 2,2 | 2,6 |
Responsável pelo domicílio | ||||||
Sexo | ||||||
Homem | 48,3 | 51,3 | 40,6 | 40,8 | 39,4 | 41,4 |
Mulher | 51,7 | 48,7 | 59,4 | 59,2 | 60,6 | 58,6 |
Cor ou raça | ||||||
Branca | 42,0 | 46,9 | 29,0 | 31,4 | 25,0 | 23,4 |
Preta | 12,0 | 10,7 | 15,2 | 14,7 | 16,3 | 16,5 |
Parda | 44,7 | 41,0 | 54,5 | 52,7 | 57,6 | 58,1 |
Nível de instrução | ||||||
Sem instrução | 5,6 | 4,7 | 7,7 | 6,2 | 9,1 | 12,6 |
Ensino fundamental incompleto ou equivalente | 27,6 | 24,3 | 36,3 | 32,7 | 41,3 | 46,0 |
Ensino fundamental completo ou equivalente | 7,7 | 7,3 | 8,7 | 8,7 | 8,8 | 8,8 |
Ensino médio incompleto ou equivalente | 5,6 | 5,0 | 7,1 | 7,2 | 7,2 | 6,4 |
Ensino médio completo ou equivalente | 30,2 | 30,6 | 29,2 | 31,9 | 26,3 | 21,2 |
Ensino superior incompleto ou equivalente | 4,3 | 4,7 | 3,1 | 3,5 | 2,5 | 2,1 |
Superior completo | 19,1 | 23,4 | 7,9 | 9,8 | 4,9 | 2,9 |
Posição na ocupação e categoria do emprego | ||||||
Trabalhador doméstico | 4,4 | 3,5 | 6,7 | 6,5 | 7,6 | 6,6 |
Empregado no setor privado com carteira de trabalho assinada | 20,5 | 22,8 | 14,4 | 16,7 | 11,3 | 8,2 |
Empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada | 6,7 | 6,1 | 8,2 | 8,4 | 7,8 | 8,1 |
Empregado no setor público, inclusive servidor estatutário e militar | 7,9 | 9,1 | 4,6 | 5,5 | 3,3 | 2,1 |
Conta própria | 17,5 | 17,7 | 17,1 | 17,7 | 16,1 | 15,6 |
Empregador | 3,1 | 3,9 | 0,9 | 1,1 | 0,5 | 0,3 |
Outros | 40,0 | 36,9 | 48,2 | 44,2 | 53,5 | 59,1 |
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023 |
A ocupação da pessoa responsável pelo domicílio foi outro fator relacionado à variação da proporção de domicílios em segurança alimentar. Os domicílios cujos responsáveis estavam ocupados como trabalhadores domésticos representavam 3,5% daqueles em segurança alimentar, enquanto no total dos domicílios eram 4,4%.
A formalização da ocupação teve impacto significativo na capacidade de garantir a aquisição de alimentos nos domicílios, pois 22,8% dos domicílios encontravam-se em situação de segurança alimentar quando os responsáveis eram empregados com carteira assinada no setor privado, percentual maior do que o observado no total de domicílios (20,5%). Já os trabalhadores no setor privado sem carteira assinada eram responsáveis em 6,1% dos domicílios em segurança alimentar, enquanto no total de domicílios representavam 6,7%. Nas situações de domicílios em insegurança alimentar grave, 6,6% tinham trabalhadores domésticos como responsáveis e 8,1%, trabalhadores sem carteira assinada.
A pesquisa revelou ainda que 4,5% da população de zero a quatro anos de idade, e 4,9% da população de cinco a 17 anos de idade conviviam com insegurança alimentar grave. Porém, na população de 65 anos ou mais de idade essa proporção foi 2,8%. Assim, considerando a distribuição dos moradores por grupos de idade, segundo a situação de segurança alimentar existente no domicílio, observou-se maior vulnerabilidade à restrição alimentar nos domicílios onde residiam crianças e/ou adolescentes. À medida que aumentava a idade, cresciam, também, as proporções daqueles que viviam em domicílios em segurança alimentar e diminuíam, consequentemente, as proporções dos moradores em insegurança alimentar nos seus diversos níveis.
Metade dos domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave tinha rendimento per capita menor que meio salário mínimo
Em relação aos rendimentos, 50,9% dos domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave possuíam rendimento domiciliar per capita menor do que meio salário mínimo.
De acordo com a pesquisa, os casos de insegurança alimentar moderada ou grave ficaram concentrados nas seguintes faixas de rendimento, alcançando 79,0%: domicílios com rendimento domiciliar per capita de zero a ¼ do salário mínimo (24,1%); domicílios com rendimento domiciliar per capita maior do que ¼ e no máximo ½ do salário mínimo (26,8%); e domicílios com rendimento domiciliar per capita maior do que ½ e no máximo um salário mínimo (28,1%). Essas três classes representavam quase metade dos domicílios brasileiros (47,7%).
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Fonte: IBGE - Foto de Gabre Cameron na Unsplash