Poluição oculta: os riscos de plástico e lixo descartados em mares e rios

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 19/04/2022 13h00, última modificação 19/04/2022 12h05
Estudos mostram a quantidade de plásticos descartados incorretamente que não são vistos a olho nu e como esse material pode prejudicar ecossistemas diversos

Entre os ambientalistas, é comum a afirmação de que plásticos e outros lixos acumulados na superfície de rios e mares são a "ponta do iceberg" de uma grande complicação ambiental. Resultados de estudos recentes têm revelado a amplitude desse problema, indicando, por exemplo, que a locomoção de espécies marinhas é comprometida pelo excesso de detritos nas águas, o que pode desequilibrar ecossistemas diversos, inclusive não aquáticos. A expectativa dos autores é de que esses novos dados ajudem a mobilizar a busca por formas mais eficazes de enfrentar essa questão complexa, já que um mundo sem plásticos parece ser uma ideia difícil.

"Os bilhões de toneladas de produtos plásticos produzidos no último meio século radicalizaram a maneira como vivemos — e para melhor —, mas esses resíduos estão apresentando novos desafios para a natureza", enfatiza, em comunicado à imprensa, Atsuhiko Isobe. O professor do Instituto de Pesquisa de Mecânica Aplicada da Universidade de Kyushu, no Japão, e colegas decidiram quantificar a "face oculta" desse problema.

Para isso, basearam-se em estudos que descrevem como os plásticos se quebram e envelhecem ao longo do tempo, além de dados relacionados aos ventos — colhidas por satélites, essas informações ajudaram a avaliar o movimento das partículas plásticas nas águas. A equipe também considerou a produção desse material descartável de 1961 a 2017. "Para avaliar a quantidade e o paradeiro de resíduos plásticos nos oceanos da Terra, temos que considerar todo o processo, desde o seu nascimento até o enterro, além de detalhes relacionados ao transporte e à fragmentação contínua", explica Isobe.

Pelas análises, os pesquisadores estimam que 25,3 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos foram jogados nos oceanos no período analisado e que mais de dois terços desse montante estão "estacionados" no fundo dos oceanos. "São plásticos pesados que se depositaram no fundo do mar porque são mais densos que a água. Metade deles é feita de tereftalato de polietileno (PET) e cloreto de polivinila (PVC)", detalham os autores.

Publicado na revista especializada Science of The Total Environment, o artigo informa, ainda, que os plásticos grandes e os pedaços menores (microplásticos) encontrados facilmente flutuando na superfície das águas representam apenas cerca de 3% de todos os plásticos oceânicos. A equipe também decidiu fazer cálculos preditivos do acúmulo de plástico nos oceanos, entre 2017 e 2021. A estimativa é de que esse número possa ter subido para 540 milhões de toneladas de resíduos plásticos.

"Precisamos de análises mais detalhadas, mas acreditamos que, caso esse número recente não esteja correto, ele deve ser ainda maior. É uma situação que pode se agravar ainda mais nos próximos anos se nada for feito", afirma Isobe. O cientista acredita que os dados obtidos reforçam a necessidade de repensar o uso do plástico e devem ser considerados na criação de medidas que ajudem a retirar os detritos que poluem os oceanos.

"Poucos avanços foram feitos até agora nesse campo, e um dos motivos que explicam isso é a falta de métodos de observação disponíveis. Acreditamos que nossa análise pode abrir caminhos nessa área e contribuir para estratégias de conservação mais eficazes", aposta.

Navegações

Na avaliação de Valéria Regina Bellotto, professora do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), os dados obtidos no estudo japonês reforçam a importância de frear o consumo desenfreado de plásticos. "Precisamos parar de produzir e consumir esse material, pois sabemos que a maioria desse lixo acumulado nos oceanos, cerca de 80%, é fruto da atividade na terra", justifica.

A especialista lembra do papel das navegações no acúmulo de plástico no fundo do oceano. "Temos também o lixo produzido pela área de turismo naval, como cruzeiros, além de navios da pesca industrial. Eles usam grandes redes pesadas que, ao se perderem, ficam acumuladas no fundo do mar, presas com garrafas e embalagens, prejudicando os animais, como os golfinhos e tubarões", detalha. "Temos também a presença de metais e hidrocarbonetos de petróleo que se dissolvem na água e que, assim como o plástico, quando são ingeridos pelos animais, podem gerar problemas ainda mais graves à saúde dos bichos."

Mercedes Bustamante, bióloga e também professora da UnB, chama a atenção para o fato de o trabalho permitir novas formas de enfrentamento a esse problema ambiental. "Até então, as avaliações consideram somente a contaminação superficial dos oceanos", diz. "Trata-se de um tema que demanda ações urgentes da indústria, dos consumidores e dos governos para reduzir o uso de tais materiais, ampliar a reciclagem e lidar de forma responsável com os resíduos sólidos."

Fluxos de animais alterados

Um estudo feito por cientistas europeus indica que a poluição plástica marinha pode contribuir para o transporte involuntário de diversas espécies. O trabalho, publicado na revista Marine Pollution Bulletin, mostra que mudanças de fluxo dos seres vivos não nativos são feitas em pedaços de plásticos de baixa densidade e podem desencadear desequilíbrios no ecossistema.

Ao avaliar uma série de amostras de água no fundo do mar retiradas da costa catalã, na Espanha, os pesquisadores identificaram várias espécies presas a detritos plásticos. Esses animais marinhos estavam em ambiente em que não viviam comumente, segundo os autores do trabalho. "Em particular, os briozoários — um grupo de invertebrados aquáticos geralmente pequenos — foram os mais diversos, com 15 espécies identificadas. Esses seres não são nativos dessa área avaliada, embora já tenham sido detectados em outros setores do Mediterrâneo", detalham.

As descobertas corroboram a ideia de que, apesar de uma quantidade significativa de plástico que entra no oceano ficar temporariamente presa na zona costeira, parte desse material também pode ser transportado para grandes profundidades por meio de correntes hidrodinâmicas energéticas, um trajeto feito na companhia dos animais marinhos. "Em suma, o estudo mostra que os plásticos podem atuar como vetores de dispersão, fornecendo substratos que podem ser usados como meios de transporte por uma grande variedade de espécies marinhas. Podem, portanto, alterar eventualmente os ecossistemas marinhos", afirma Blanca Figuerola, especialista do Instituto de Ciências do Mar (ICM).

A também coautora do estudo dá um exemplo desse fenômeno. "Encontramos ovos de tubarão-gato (Scyliorhinus canicula) presos ao plástico, algo nunca visto antes. A locomoção errônea pode ter um impacto significativo na distribuição geográfica e no habitat dessa espécie", diz.

Monitoramento

Os pesquisadores também estudaram os diferentes tipos de plásticos encontrados e descobriram que a maioria do material analisado apresentava densidades mais baixas do que a da água do mar. "Esses dados podem nos ajudar a entender como acontece a dispersão e o transporte dessas espécies pelos oceanos. Podemos dizer também que os plásticos de baixa densidade não acabariam nos sedimentos do fundo do mar se não fosse pelo peso adicional dos organismos vivos presos a sua superfície", explica Arnau Subías, membro do centro de pesquisa espanhol e também autor do estudo.

Figuerola afirma que a continuidade da análise é necessária para ajudar a evitar desequilíbrios no sistema marinho. Segundo ela, o monitoramento constante ajuda a confirmar o estabelecimento de espécies, nativas ou não. "Elas podem se tornar invasoras e, consequentemente, contribuir para a redução da biodiversidade natural, tornando os ecossistemas menos resilientes à mudança", explica. (VS) 

Impactos fora d'água

"O acúmulo desse lixo faz com que muitas aves não migrem da forma adequada. Quando chegam ao local em que deveriam ficar, elas não têm espaço para fazer o ninho pelo excesso de plásticos. Outra grande complicação é a alimentação, pois os animais podem comer pedaços de plástico achando que é comida, confundindo águas-vivas com embalagens, por exemplo. Há ainda os prejuízos para as espécies futuras, com filhotes que não conseguem se desenvolver da forma correta. Outro ponto a salientar é que esse plástico se degrada e, aos poucos, se transforma em micropartículas que podem ser consumidas pelo homem, possivelmente gerando problemas de saúde para várias espécies, incluindo a nossa"

Valéria Regina Bellotto, professora do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB) 

Agrupados

São pequenos animais invertebrados que, em sua maioria, vivem no mar de forma agrupada, em colônias, o que pode gerar confusões. Isso porque são parecidos com corais e também com plantas marinhas. Pesquisas recentes mostram que os briozoários existem desde o período Cambriano, quando um número maior de espécies de animais surgiram na Terra, um momento considerado o "Big Bang" da biologia.

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Com informações Correio Brasiliense

Imagem: Naja Bertolt Jensen

Edição Site TV Assembleia