Peste suína africana se espalha pela Europa; entenda doença

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 08/09/2022 13h05, última modificação 08/09/2022 11h39
Desde o início do ano, um total de 285 surtos de peste suína africana (PSA) foram detectados em fazendas europeias, com quase 71 mil casos registrados pela OMSA

Inofensiva para humanos mas altamente contagiosa entre animais, a peste suína africana está se espalhando "a um ritmo alarmante" na Europa, alertam autoridades de saúde pública. "O número de casos e áreas afetadas está aumentando apesar de nossos esforços, e os países têm grandes dificuldades em controlar e eliminar a doença", disse à agência France-Presse de notícias (AFP) Gregorio Torres, chefe do Departamento científico da Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA).


Desde o início do ano, um total de 285 surtos de peste suína africana (PSA) foram detectados em fazendas europeias, com quase 71 mil casos registrados pela OMSA. O vírus circula principalmente na parte leste do continente, na Romênia (197 surtos), Moldávia ou oeste da Rússia, onde cinco novos surtos foram detectados na semana passada. Na Alemanha, apareceu em maio; na Itália, em junho.

 

Animais selvagens, como javalis, também contraem a doença e podem espalhá-la de forma descontrolada. A indústria suína europeia, "o maior exportador mundial, com 5 milhões de toneladas por ano", está ameaçada, alertou a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) no fim de julho. A taxa de propagação é "alarmante", explicou a agência, que lançou a terceira campanha de comunicação em 18 países. A situação é preocupante na Ucrânia, em plena guerra, onde surgiram três fontes de contágio.

 

A peste suína africana é endêmica nesse continente. Não é transmissível para humanos, mas o vírus pode sobreviver por mais de dois meses em carnes e charcutarias.


Quais são os tipos de Peste Suína e as diferenças entre eles?

 

Como dissemos, há duas doenças conhecidas como Pestes Suínas. Veja a seguir quais são.

 

Peste Suína Africana

 

A Peste Suína Africana é uma doença altamente contagiosa, provocada por um vírus que pertence à família Asfarviridae. Uma das características desses vírus é o seu DNA fita dupla. Tais microrganismos não infectam seres humanos, afetando exclusivamente insetos e suídeos.

 

A doença recebe esse nome por ser endêmica da África, sendo observada desde o início do século XX no sul e no leste do continente. Os sinais clínicos de uma doença hemorrágica (como cianose e coloração avermelhada da pele) são as primeiras suspeitas da PSA.

 

O asfivírus é transmitido por meio de secreções orais e nasais, ferimentos, injeções e picadas de carrapatos do gênero Ornithodoros. Assim, secreções, excreções, tecidos e sangue de animais doentes e mortos são potenciais fontes de infecção.

 

O período de incubação é de 5 a 21 dias. Entre os principais sintomas da PSA estão:

 

  • febre alta (entre 40 e 42 °C);
  • perda de apetite;
  • hemorragias na pele (orelhas, focinho, patas e abdômen);
  • hemorragias internas;
  • problemas de respiração;
  • alta taxa de mortalidade (de 4 a 10 dias).

 

Peste Suína Clássica

 

Embora igualmente contagiosa, a Peste Suína Clássica é causada por um vírus que tem o RNA como material genético. Da mesma forma, o vírus não infecta seres humanos.

 

Ambas as doenças são clinicamente semelhantes. Portanto, é preciso fazer um diagnóstico laboratorial para diferenciá-las. A seguir, você verá detalhes sobre a Peste Suína Clássica.

 

O que é a Peste Suína Clássica?

 

A Peste Suína Clássica é uma doença altamente infecciosa, que apresenta elevada taxa de contaminação e é, com frequência, mortal aos suínos. Também conhecida como febre ou cólera suína, a PSC afeta suínos domésticos e selvagens. A enfermidade é causada por um vírus RNA envelopado que pertence à família Flaviviridae.

 

A PSC foi identificada pela primeira vez no século XIX, mas sua característica viral foi estabelecida apenas no início do século seguinte.

 

Apesar de não oferecer riscos à saúde humana ou afetar outras espécies animais, é uma das doenças mais relevantes entre as que acometem os suínos domésticos. Ela faz parte da lista A da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), cujas doenças são de notificação compulsória.

 

Essa lista A inclui doenças transmissíveis que apresentam o potencial para disseminação rápida e séria, independentemente de fronteiras nacionais. Também compreende as enfermidades que têm consequências socioeconômicas ou de saúde pública sérias e que são de grande importância para a exportação de animais e produtos de origem animal.

 

Atualmente, algumas das áreas ou países mais importantes na produção de suínos são livres de PSC. No entanto, apesar dos esforços para sua erradicação, a doença permanece recorrente em outras áreas.

 

Qual é o histórico dessa problemática?

 

A PSC teve seu primeiro registro em 1810 no estado do Tennessee, nos Estados Unidos. O vírus chegou à Europa no final do século XIX e, em 1899, desembarcou na América do Sul.

 

De acordo com a OIE, a PSC é encontrada na América Central e do Sul, Ásia, Europa e algumas regiões da África. América do Norte, Nova Zelândia e Austrália estão livres da doença. Na década de 1990, grandes surtos de PSC ocorreram na Holanda, Alemanha, Bélgica e Itália.

 

Em setembro de 2020, o Japão perdeu o status de país livre da PSC, por não ter conseguido ainda controlar o surto que surgiu em 2018. No mapa oficial da OIE, é possível verificar que o Brasil está entre os países reconhecidos como livres da doença.

 

Já a PSA foi reportada pela primeira vez no século XX, estabelecendo-se em suínos domésticos e asselvajados da África em um ciclo que envolve uma espécie de carrapato. O vírus se disseminou pela África Subsaariana e, em 1960, foi introduzido em Portugal por meio de produtos derivados de carne suína contaminada.

 

Até 1990 permaneceu endêmica em Portugal e na Espanha, mas se alastrou para a Itália, a França, a Bélgica, Malta e a Holanda, além de alcançar o Caribe e a América do Sul. No Brasil, o vírus da PSA foi identificado pela primeira vez em 1978, em uma criação de subsistência no Rio de Janeiro, cujos suínos foram alimentados com restos de alimentos vindos de um voo de Portugal.

 

Nos anos 2000, novos surtos surgiram pelo mundo e, atualmente, a distribuição do vírus está em regiões da África e da Europa. No Brasil, a doença foi erradicada e é considerada exótica por aqui.

 

Entretanto, em 2018, os novos registros feitos em suínos domésticos na China e na Romênia, e a detecção do vírus em javalis na Bélgica têm preocupado suinocultores do mundo todo. Tais surtos servem de alerta para os produtores nacionais, que devem manter seus programas de biosseguridade à risca nas granjas.

 

De que maneira acontece a contaminação da PSC?

 

A contaminação da Peste Suína Clássica normalmente acontece pela via oronasal. Fatores como a elevada densidade populacional, assim como a presença de porcos silvestres em determinadas regiões e até mesmo criações de subsistência sem os devidos cuidados sanitários, favorecem a propagação da doença.

 

Isso acontece porque eles são reservatórios do vírus. Além disso, o período de incubação tem variação de 7 a 10 dias — em casos de infecção experimental, o prazo é menor.

 

O vírus ataca células como:

 

  • endoteliais;
  • linforreticulares;
  • macrófagos;
  • epiteliais específicas.

 

Também é importante citar que, nos casos de infecção pré-natal, durante a gestação de suínos, o vírus afeta a diferenciação dos órgãos e leva a uma série de malformações, a exemplo de aborto, de natimortos e de mumificação fetal. Já em casos em que a infecção é pós-natal, os efeitos aparecem em danos sofridos pelas células endoteliais e trombose.

 

Como identificar a Peste Suína Clássica?

 

Os sinais clínicos apresentados pelos suínos afetados com PSC dependem tanto da idade do animal quanto da virulência da cepa envolvida. Inicialmente, é possível identificar alguns desses sinais clínicos, como:

 

  • depressão;
  • febre alta (41 °C);
  • amontoamento;
  • conjuntivite;
  • hemorragia;
  • necrose das tonsilas;
  • eritemas;
  • cianose em animais de pele branca.

 

Além dos sintomas citados, podem ser observadas petéquias na pele e hemorragias nas mucosas e em alguns órgãos, como baço, pulmões e rins. Também é possível perceber que os animais com sobrevida de 10 dias ou mais após o início dos sinais clínicos têm chances de desenvolver sintomas que venham a afetar o trato respiratório e intestinal — constipação seguida por diarreia.

 

Nos casos de infecção crônica, após o animal apresentar febre, ele apresenta recuperação transitória seguida de recorrência com febre, anorexia e depressão.

 

Em animais jovens, a taxa de mortalidade é significativa — ao contrário de animais mais velhos, em que a enfermidade pode se manifestar discretamente ou até mesmo ser subclínica.

 

Diagnóstico da PSC

 

O diagnóstico para a Peste Suína Clássica é feito com o isolamento do vírus em cultivo celular. Para isso, é utilizado o sangue, ou suspensão de órgãos do sistema linfoide.

 

A identificação desse vírus, que não é citopatogênico, é feita por meio do cultivo celular. São utilizados anticorpos específicos para tal. No entanto, é uma técnica lenta — podendo demorar até 7 dias para se chegar a uma resposta após o envio das amostras ao laboratório.

 

Outras opções para o diagnóstico da PSC para detecção dos antígenos virais são a técnica de imunofluorescência, o teste de E.L.I.S.A ou a técnica de RT-PCR. De toda forma, a prevenção é a melhor abordagem para a Peste Suína Clássica, como veremos a seguir.

 

Que fatores estão envolvidos na prevenção da PSC?

 

Como medidas de controle e prevenção para evitar a introdução da PSC em áreas livres, é primordial cuidar da biosseguridade e do bem-estar animal, seguindo alguns cuidados essenciais, como:

 

  • controle de acesso de pessoas e animais e isolamento das unidades de produção.
  • fornecer vestuário próprio de cada granja com a troca de roupa e calçados de todos aqueles que entram na granja;
  • controle de trânsito de veículos de transporte de ração e suínos, com a devida desinfecção.

 

Prevenção em propriedades de maior risco

 

Para realizar uma prevenção efetiva da PSC, é essencial que haja vigilância em propriedades que apresentarem maior risco — como criações de javalis, suínos e javaporcos.

 

É indicado que a entrada, bem como a movimentação de animais com suspeita de doenças ou advindos principalmente do estado do Ceará seja observada. Para tal, é importante que existam barreiras fixas em portos e pontões, lixões, estradas vicinais e transportadores das espécies suscetíveis.

 

Por isso, a Instrução Normativa nº 06/2004 do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), responsável por aprovar as normas relacionadas à erradicação da PSC no Brasil, proíbe que suínos fiquem em lixões ou se alimentem de restos de comida humana. Afinal, sem o devido tratamento, tal material pode gerar a reintrodução e disseminação de enfermidades exóticas no Brasil.

 

Atenção no contato com os javalis

 

É estritamente recomendado que seja evitado o contato com javalis e javaporcos doentes ou encontrados mortos. Esses animais são importantes fatores na disseminação da doença.

 

No entanto, vale reforçar que o javali não faz parte da fauna brasileira. Por isso, é indicado comunicar aos órgãos de defesa agropecuária sobre a existência de criações sob cuidado do homem e/ou a presença desses animais extensivamente em sua região — visto que a PSC representa uma grave ameaça à suinocultura brasileira.

 

Como é feito o controle da PSC?

 

O controle da PSC é feito da seguinte forma:

 

  • comunicação efetiva entre autoridades, veterinários e produtores;
  • sistema eficiente de notificação de enfermidades;
  • vigilância sorológica sistemática de suínos destinados à reprodução;
  • controle eficiente de abatedouros de suínos;
  • biossegurança interna e externa.

 

Quanto à biossegurança na granja, atente aos cuidados:

 

  • não alimentar suínos com restos de alimentos;
  • não ter contato com outros suínos;
  • restringir o acesso de visitantes aos Sistemas de Produção;
  • adotar restrito Programa de Limpeza e Desinfecção (veículos, equipamentos, botas, roupas);
  • utilizar de quarentena para introdução de novos animais;
  • fazer a manutenção das cercas nas propriedades rurais.

 

Existe tratamento para a Peste Suína Clássica?

 

Não existe tratamento específico para a PSC. Diferentemente da PSA, o controle da Peste Suína Clássica pode ser feito com o uso de vacinas, que só são permitidas pelo MAPA em situações de emergência.

 

O papel da nutrição animal

 

Uma nutrição adequada faz parte do estado saudável do animal, pois fornece nutrientes essenciais para sua mantença e desempenho. As vantagens de uma boa alimentação são, por exemplo, a integridade intestinal (maior órgão imune do corpo), o que pode acarretar aumento da imunidade dos suínos. Isso significa que o animal ganha em resistência, reduzindo as chances de contrair alguma doença.

 

Contudo, a nutrição por si só não é suficiente para prevenir a contaminação dos animais por PSA ou PSC, sendo as medidas de biosseguridade a melhor forma de prevenção.

 

Em resumo:

 

  • PSA e PSC são duas das principais enfermidades da suinocultura mundial.
  • Não são zoonoses, mas promovem sérias implicações no comércio mundial de carnes.
  • Não há tratamento disponível. Para PSC, a vacinação se mostra bastante efetiva, mas é permitida pelo MAPA somente em situações de emergência.
  • A adoção de práticas de biosseguridade é a principal forma de prevenção.

 

..............................................

 

Fonte: Correio Brasiliense

Nutrição e Saúde

Imagem: SCOTT OLSON

Edição: Site TV Assembleia