Pesquisadores apontam por que a Covid é mais grave em pessoas com síndrome de Down
Pesquisadores brasileiros tentam entender por que a síndrome de Down causa quadros mais críticos da Covid-19. Entre as hipóteses, três delas imperam como as mais prováveis: formação anatômica, sistema imunológico e expressão genética.
A síndrome de Down é resultado de uma alteração genética no cromossomo 21 que é triplicado em pessoas com a condição. Segundo estimativas, ela é a síndrome mais comum, tendo uma incidência média de 1 a cada 700 nascimentos no Brasil. Como forma de trazer visibilidade à condição, o dia 21 de março é marcado como o Dia Internacional da Síndrome de Down.
"O paciente com essa síndrome normalmente tem um grau de deficiência intelectual, que é variável, pode ter problemas cardíacos e há também maiores propensões para distúrbios respiratórios, por exemplo", afirma Márcia Amorim, professora do Instituto de Biologia da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Amorim é uma das autoras de um artigo, publicado na revista Neurological Sciences, que aponta a importância de priorizar pessoas com síndrome de Down na vacinação contra a Covid, uma vez que a doença tende a ter um quadro mais crítico em pacientes com essa condição genética.
"Alguns estudos apontaram que pacientes com síndrome de Down tiveram maior hospitalização, chance de intubação e de mortes [ao terem Covid em comparação com o grupo controle]", afirma a professora.
Um estudo citado no artigo de Amorim observou que pacientes com a condição com mais de 40 anos têm três vezes mais a chance de vir a óbito por Covid-19 ante aqueles que não tm a condição genética.
Segundo ela, uma hipótese que pode elucidar a gravidade para essa população se relaciona com uma expressão genética - a TMPRSS2 (serina protease transmembrana tipo II).
A explicação de por que esse gene em específico poderia causar quadros mais graves de Covid tem relação com o mecanismo que o Sars-CoV-2 tem para causar uma infecção. Conforme já foi investigado, o vírus consegue fazer a invasão e replicação em células humanas por meio da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2).
Além dela, o patógeno também precisa da TMPRSS2, proteína que é codificada pelo gene que tem o mesmo nome. A questão é que essa expressão genética que codifica a proteína se encontra no cromossomo 21, aquele que pessoas com síndrome de Down têm triplicado.
"Pelo indivíduo ter três cópias do gene TMPRSS2, porque ele está localizado no cromossomo 21, e a proteína codificada por ele ser extremamente importante para que o vírus consiga invadir a célula, esse pode ser um mecanismo que explica a gravidade da Covid nesses pacientes", afirma Amorim.
No entanto, existem duas outras explicações que podem explicar esse fenômeno.
"No caso dos pacientes com síndrome de Down, normalmente eles têm anormalidades cardíacas e pulmonares, além de terem alterações no funcionamento do sistema imunológico. Isso faz com que eles estejam mais vulneráveis à Covid-19", afirma Danielle Silva, pós-doutoranda em microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autora de outro artigo que também aborda as particularidades de pessoas com síndrome de Down quando são infectadas pelo coronavírus.
Em conjunto com outros profissionais da UFMG, Silva desenvolveu esse estudo "para dar maior visibilidade a esse grupo que tem algumas características peculiares e também para chamar atenção da própria comunidade médica. Como eles têm essas particularidades, o olhar clínico sobre eles tem que ser diferenciado".
Ela explica que, em razão da alteração genética das pessoas com Down, algumas formações anatômicas do organismo são diferentes e isso pode representar um cenário mais crítico para infecções, como é o caso da Covid.
Um exemplo são problemas na constituição dos pulmões ou a má-formação das válvulas cardíacas. "Não todos, mas grande parte das pessoas com síndrome de Down têm [essas disfunções]" afirma Silva.
Outro ponto é o sistema imunológico, que conta com alterações, fazendo com que ele não tenha o mesmo comportamento encontrado em indivíduos sem a condição. A pesquisadora afirma que esse problema pode acentuar a tempestade de citocina —um fenômeno que o sistema imune produz em excesso diante de uma infecção e que pode levar a efeitos negativos para o próprio corpo do paciente.
"No caso das pessoas com Down, a tempestade de citocina pode ser mais exacerbada por causa dos problemas no sistema imunológico, fazendo com que elas possam prosseguir para um quadro mais grave", explica Silva.
Embora essas três explicações observadas por Amorim e Silva possam já indicar os motivos de a Covid ser mais severa em quem tem síndrome de Down, ainda não é possível indicar isso com toda certeza.
"O problema é que o número de pacientes com síndrome de Down e Covid é pequeno, então é difícil conseguir uma amostra grande", afirma Amorim. No artigo publicado por ela, por exemplo, não ocorreu realmente uma análise por amostra dessas pessoas com a condição, mas sim a discussão de por que a alteração genética poderia influenciar a gravidade da Covid nesse grupo.
Mesmo assim, ela e outros pesquisadores já buscam caminhos para investigar como é a resposta dessas pessoas ao serem infectadas pelo Sars-CoV-2.
"Nós temos uma amostra de pacientes com Down e temos uma ideia de fazer uma pesquisa inicial para ter relatos daqueles que tiveram Covid, a fim de entender como foi a doença, se ocorreu evolução, se tiveram quadros mais graves. Seria uma entrevista para tentar apreender os aspectos da doença nessa população", afirma.