Pesquisa revela condicionantes da redução de jovens em medidas socioeducativas no Brasil

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 11/11/2024 13h15, última modificação 11/11/2024 12h22
Veja fatores que explicam a redução do quantitativo de jovens em privação e restrição de liberdade no Brasil

Mudanças no contexto jurídico, transformações na gestão do sistema socioeducativo, modificações na atuação policial, alterações nas dinâmicas criminais dos territórios e reflexo do contexto pandêmico. Esses são alguns dos fatores que explicam a redução do quantitativo de jovens em privação e restrição de liberdade no Brasil entre os anos de 2013 e 2022. É o que aponta a pesquisa Redução de adolescentes em medidas socioeducativas no Brasil (2013-2022): condicionantes e percepções, estudo que integra a 6ª edição da série Justiça Pesquisa, concebida pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ). 


O estudo, divulgado durante o Seminários de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias – Redução de Adolescentes em Medidas Socioeducativas, buscou investigar e identificar a redução do número de jovens em restrição de liberdade no país, especialmente em atendimento no meio fechado. Os resultados foram obtidos pelo Instituto Cíclica, em parceria com o Observatório de Socioeducação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituições responsáveis pela realização da pesquisa. Segundo o relatório, em 10 anos, a quantidade de jovens privados de liberdade no sistema socioeducativo passou de pouco mais de 23 mil para 12,3 mil. Já a aplicação das medidas caiu de pouco mais de 116 mil para 92 mil.


Acesse a pesquisa “Redução de adolescentes em medidas socioeducativas no Brasil (2013-2022): condicionantes e percepções”  


Para a realização da análise, os pesquisadores identificaram em quais unidades da Federação de cada região do Brasil o fenômeno foi mais expressivo, assim como em quais fases do fluxo socioeducativo há maiores variações ao longo dos anos. Os estados investigados foram Amapá, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A partir de um conjunto de hipóteses e análises quantitativas e qualitativas, o estudo proporcionou avanço no entendimento sobre os motivos dessa redução.   


Principais resultados 


Inicialmente, com o auxílio de informações externas, foram sistematizados dados dos últimos 10 anos sobre o total de medidas socioeducativas aplicadas e a variação do número de adolescentes privados de liberdade no sistema. 


No caso dos jovens em privação de liberdade, de acordo com o levantamento, a redução foi aproximadamente 46%, passando de 23 mil para pouco mais de 12 mil. A queda mais acentuada ocorreu entre os anos de 2019 e 2022. Nesse período, as variações negativas mais relevantes foram registradas nos estados do Amapá (-90,49%), Goiás (-66,51%), Rio de Janeiro (-57,47%), Rio Grande do Sul (-62,10%) e da Bahia (-65,53%).  


Ao examinar as hipóteses, a pesquisa revela que, no escopo de mudanças no contexto jurídico e transformações na gestão socioeducativa, as inspeções periódicas das unidades de atendimento produziram efeitos indiretos sobre a diminuição do quantitativo de internos, por meio da manutenção do bom andamento do processo de execução e da proteção dos direitos dos adolescentes privados de liberdade. 


Nesse mesmo estrato, também se concluiu que a redução teria sido influenciada pelos impactos de atos normativos e decisões judiciais como, por exemplo, o habeas corpus julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) apresentado pela Defensoria Pública do Espírito Santo, que limitou o quantitativo máximo de ocupação das unidades socioeducativas em 100% de capacidade e a partir da determinação de que, pra cada entrada no sistema socioeducativo, uma saída deve ser realizada, a fim de evitar a superlotação. 


Essa determinação provocou mudanças na configuração do sistema, como também influenciou outros atos normativos – entre eles, a Resolução CNJ n. 367/2021, que dispõe sobre diretrizes e normas gerais para a criação da central de vagas do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, no âmbito do Poder Judiciário. Esta, por sua vez, estimulou a premissa da mínima intervenção e da aplicação de medidas de internação e semiliberdade apenas como último recurso a ser aplicada em casos graves.  



Dados qualitativos indicam ainda que orientação do Conselho (Recomendação CNJ n. 98/2021) que modifica a periodicidade de realização de audiências de reavaliação, gerou uma maior celeridade no procedimento e, consequentemente, um tempo menor para a substituição ou extinção da medida de privação de liberdade.  


Sobre mudanças na atuação policial, uma das hipóteses confirmadas é de que a redução teria sido influenciada por uma diminuição no número de apreensões de adolescentes pelas forças policiais. Os dados da pesquisa indicam queda significativa no número de boletins de ocorrência e de apreensões em flagrante de jovens no período delimitado pelo estudo. 

 


Além disso, os dados qualitativos apurados pela pesquisa indicam que agentes policiais estão apreendendo menos jovens em função da percepção de que o sistema socioeducativo seria ineficaz para “punir”. O estudo também revela que, em determinados territórios, esses agentes têm adotado “correções informais”, por meio da violência não letal, como “substituição” à apreensão de adolescentes, operando à margem do controle do Sistema de Garantia de Direitos. 


A pesquisa também aponta que a redução teria sido influenciada pela ampliação da inserção de jovens em facções criminosas que, dessa forma, estariam mais “protegidos” da intervenção de instituições policiais e judiciais. A diminuição do total de adolescentes em medidas socioeducativas foi apontada ainda como reflexo do contexto pandêmico.  


Panorama 


O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF/CNJ), Luís Lanfredi, ressaltou a importância do estudo para o aprofundamento do debate sobre a internação de adolescentes em conflito com a lei. “Devemos compreender a redução das internações a partir do impacto de resoluções do CNJ e [decisões] do Supremo Tribunal Federal, como o Habeas Corpus coletivo (HC) 143988, relatado pelo ministro Edson Fachin. O HC, que proibiu os centros socioeducativos de ultrapassarem a capacidade projetada, conferiu à internação seu lugar de exceção dentro da socioeducação”, afirmou. 


Durante a apresentação do estudo no Seminário de Pesquisas Empíricas nesta sexta-feira (8/11), a pesquisadora Bruna Koerich destacou os efeitos da Resolução CNJ n. 367/2021, que cria a Central de Vagas no sistema socioeducativo. Os dados indicam que a criação da norma que prevê a Central de Vagas foi o principal efeito do julgamento do HC 143988. Apesar disso, não foram identificados resultados diretos dos dois instrumentos sobre a apreensão dos adolescentes. 


 “As implicações da resolução dependem do contexto territorial. Em alguns estados em que a Central de Vagas foi implementada, identificamos que a norma, de fato, estabeleceu mudanças na atuação dos operadores, pela aplicação mais recorrente do princípio da excepcionalidade”, ponderou. 


O pesquisador Maurício Perondi revelou algumas recomendações feitas pelo estudo que devem facilitar o gerenciamento do sistema socioeducativo. “É muito importante que o Poder Judiciário fortaleça a cultura de dados e a busca pela padronização de informações quantitativas sobre as diferentes etapas do adolescente no sistema socioeducativo”, disse. Além disso, o especialista defendeu o aprimoramento dos mecanismos de acompanhamento do fluxo de medidas socioeducativas, desde a fase policial até a finalização da medida, por parte do Poder Executivo, em especial dos órgãos gestores de segurança. 


Justiça Pesquisa  


Série Justiça Pesquisa foi concebida com a finalidade de realizar estudos e investigações científicas de interesse do Poder Judiciário brasileiro, por meio da contratação de instituições sem fins lucrativos, incumbidas da realização de pesquisas e projetos de desenvolvimento institucional.   


A orientação desses trabalhos tem como base dois eixos estruturantes e complementares. O eixo “Direitos e Garantias Fundamentais” enfoca aspectos relacionados à realização de liberdades constitucionais, a partir do critério funcional de ampliação da efetiva proteção a essas prerrogativas constitucionais. Já o eixo “Políticas Públicas do Poder Judiciário” volta-se para aspectos institucionais de planejamento, gestão e fiscalização de políticas judiciárias a partir de ações e programas que contribuam para o fortalecimento da cidadania e da democracia. 

  

O Conselho Nacional de Justiça não participa diretamente dos levantamentos e das análises de dados e, portanto, as conclusões contidas nos relatórios não necessariamente expressam posições institucionais ou opiniões dos pesquisadores do CNJ.   


Fonte: Agência CNJ de Notícias - Imagem: Rômulo Serpa/CNJ

Edição: Site TV Assembleia