O ano brasileiro começa mesmo depois do carnaval?

por Helorrany Rodrigues da Silva publicado 18/02/2024 12h45, última modificação 18/02/2024 09h33
Para 2024, desejamos tolerância, o menos que vale mais, a solidariedade acima da acumulação, parcerias entre diferentes modos de pensar e ser

Corre o boato de que o ano brasileiro começa depois do carnaval. Talvez para alguns, mas não é assim para todos. E é sempre bom lembrar que além de toda unanimidade ser burra, ela é falsa. Entre nós não existe nem unanimidade, nem unidade.


Até mesmo em nós não há unidade coesa, somos divididos, consciente e inconsciente andam juntos. Ora queremos, ora não; ora sabemos, ora não. Pensamos uma coisa e duvidamos, assim nos imobilizamos e nada fazemos, deixando o barco à deriva por covardia moral. Um ato demanda coragem. Assim somos, mas não todos. Alguns, apesar do medo, vão em frente e são vitoriosos, mas muitos tropeçam pela raiva de ver toda “água parada”.

 

Outro motivo para as águas paradas são os ideais megalomaníacos. As pessoas acreditam em elevados ideais e não aceitam menos, e por isso paralisam. Não aceitam menos, o possível, insistem no máximo da perfeição, o impossível, assim tudo fica por fazer enquanto a pessoa adia e se aliena. Porque ela também não fica feliz com isso, mas não suporta menos. Não há pacto possível.


Também este é o caso da justiça. A justiça é um ideal almejado. Ela é um conceito criado por nós pelo desejo de que seja verdade. Porém, tocada por homens e mulheres igualmente imperfeitos e errantes, ela claudica. Assistam aos quatro capítulos de “Olhos que condenam”. História verídica, difícil de assistir.

 


Nova York, cinco adolescentes condenados pelo estupro que nunca cometeram. Trump defendeu a pena de morte, eles cumpriam entre seis e 14 anos, apesar de provas inconsistentes e contraditórias arrancadas sob tortura, até que o verdadeiro assassino confessa depois de sua conversão.

 


Precisamos abandonar os absolutos. Eles expressam nosso desejo de proteção e de que tudo corra perfeitamente, mas o real está sempre desmentido essa possibilidade. Aos radicais pedimos passagem, porque sem bom senso, jamais admitiríamos erros, injustiças que fizemos e das quais nos arrependemos, podendo retificar nossos descaminhos, humanos e errantes.

 


Assim foi, e a história da humanidade nos apresenta tantos exemplos que nenhum livro poderia conter toda essa trajetória. Mas alguns exemplos não são difíceis de recuperar, mesmo aos pedaços, porque herdamos as histórias! É importante não cair em movimentos de verdade absoluta, liderados por perversos e líderes equivocados e sedutores, porém carismáticos e convincentes, com os quais tantos se identificaram e pelos quais ainda são contagiados...

 


A Inquisição, por exemplo. Matou muita gente de outra fé em nome de quem? De Deus! Mas foram o ego humano e o desejo de poder tomar o lugar de Deus que promoveram tantos assassinatos. Muitos homens bons se deixaram contagiar por esse pensamento religioso e perverso, mal liderado. Joana D’Arc foi queimada!

 


Pensando em Joana, lembramos quantas mulheres foram queimadas porque eram livres, tinham seu próprio modo de viver, fé na magia em que muitos ainda acreditam, apesar da ciência. Ainda hoje é praticada sem penalidade, mas naquele tempo essas mulheres eram temidas como uma grande ameaça, embora morassem em bosques distantes e fossem buscadas por aflitos e crédulos com pouco expressivos ou nenhum resultado.

 


A moda, por exemplo, é a voz de um pretenso grande outro que contagia. Hoje, a grande mídia contrata blogueiras porque elas são seguidas por milhões (quem são, de onde vieram, o que sabem, que conteúdo trazem, não importa). As redes sociais sustentam o contágio, o capitalismo se aproveita para ganhar mais e os contagiados seguem reforçando a riqueza de alguns e a pobreza do muitos.

 


E a ciência? A serviço do capitalista, pois o mestre de antes se tornou agora, pela força do ganho gozoso (acumular dinheiro), mais um empregado do que um livre pensador ou um sábio. Mas essa é velha: em 1663, na Inquisição romana, poder gozoso daquele tempo, Galileu foi condenado por heresia ao afirmar não ser a Terra o centro do mundo. Obrigado a se retratar, morreu em prisão domiciliar. Somente em 1992 o papa João Paulo II reconheceu o erro.

 


Para este ano, tenha ele começado em janeiro ou agora, desejamos tolerância, o menos que vale mais, a solidariedade acima da acumulação, parcerias entre diferentes modos de pensar e ser, de defesa das águas, das matas, do ar que respiramos, a defesa da vida: dádiva única recebida por todos em igualdade, assim como a morte. No intervalo entre elas podemos fazer melhor.

 

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Com Informações: Jornal de Minas - Imagem:  Pixabay/reprodução

Edição: Site TV Assembleia