Mais de um milhão de indígenas vivem em condições de precariedade de saneamento
Em 2022, cerca de 69,1% das pessoas indígenas moradoras de domicílios particulares permanentes conviviam com pelo menos uma situação de precariedade ou ausência de saneamento básico relacionados a abastecimento de água, destinação de esgoto ou destinação do lixo, ou seja, com ausência de abastecimento de água canalizada até o domicílio proveniente de rede geral, poço, fonte, nascente ou mina; ou ausência de destinação do esgoto para rede geral, pluvial ou fossa séptica; ou ausência de coleta direta ou indireta por serviço de limpeza. Eram 342,1 mil domicílios onde 1,1 milhão de indígenas viviam assim.
Para essa análise, foram retirados desse grupo os indígenas que viviam em habitações sem paredes ou malocas, pelas características próprias desses domicílios, em que não é esperada a presença de canalização de água até dentro da habitação ou banheiro, por exemplo.
Entre os indígenas que viviam nas terras oficialmente delimitadas, o cenário é ainda mais crítico: 95,6% não tinham pelo menos uma das condições adequadas de saneamento, o que corresponde a 120,4 mil domicílios com 545,7 mil pessoas indígenas. Os dados são do Censo Demográfico 2022: Indígenas - Alfabetização, registros de nascimentos e características dos domicílios, segundo recortes territoriais específicos: Resultados do universo, divulgado hoje (4) pelo IBGE. Além das características dos domicílios e das condições de saneamento básico, a publicação também traz dados sobre registros de nascimentos e alfabetização dos indígenas.
Os critérios utilizados para análise são construídos com base no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Na publicação, os pesquisadores buscaram uma aproximação entre os aspectos dessa classificação e os quesitos do questionário do Censo 2022.
De acordo com a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, Marta Antunes, entre os fatores que influenciam esses resultados estão a distância geográfica e a adaptação dos serviços de saneamento às terras indígenas. “Para garantir condições adequadas, é preciso adaptar as soluções para saneamento básico, como, por exemplo, fazer fossas que permitam um descarte adequado sem precisar se ligar à infraestrutura geral, que às vezes existe de forma mais distante da realidade dessas terras. Então, além da distância, há o fator de até onde a política consegue se adaptar para dar conta do desafio logístico que é garantir o saneamento básico e culturalmente adequado nas terras indígenas”, diz.
Nas terras indígenas localizadas no Centro-Oeste, 99,0% dos domicílios com algum morador indígena tinham pelo menos uma situação de maior precariedade. Nesses domicílios residiam 96,1 mil indígenas. O Norte, que concentrava o maior número de indígenas no Brasil, também ficou acima da média nacional: 98,9% dos domicílios com ao menos um morador indígena estavam nessa situação.
Em 17,3% dos domicílios com pelo menos um indígena, havia simultaneamente as três situações de maior precariedade. Isso totalizava 107,5 mil habitações em que vivem 470,2 mil indígenas, o equivalente a 28,8% do total. Nas Terras Indígenas, mais da metade (57,0%) dos domicílios com ao menos um morador indígena tinha essa conjugação de situações inadequadas, o que alcança 355,3 mil indígenas ou 62,2% dos moradores indígenas dessas localidades. Quando considerada a população total do país, apenas 2,5% do total de domicílios combinavam as três situações.
Cerca de 75,9% dos domicílios com pelos menos um morador indígena apresentavam uma forma considerada mais próxima de uma situação de adequabilidade no abastecimento de água, ou seja, tinham água canalizada até dentro de casa proveniente de rede de distribuição, poço, fonte, nascente ou mina. Não estavam nessa situação 24,1% dos domicílios com morador indígena (ou 149,7 mil deles). Quando considerada a população do país, a proporção de domicílios que tinha uma dessas categorias como forma principal de abastecimento era de 94,6%.
Já entre os domicílios com indígenas nas terras indígenas, essa proporção caía para 35,3% (45,3 mil). “Nas terras indígenas localizadas na Amazônia, chama a atenção a predominância da dependência dos recursos naturais, seja por meio dos rios, açudes, córregos, lagos e igarapés, seja por meio da tecnologia dos poços. Já nas outras regiões, as terras indígenas têm uma dependência da rede geral, o que pode ser explicado pela proximidade dos centros urbanos e pela indisponibilidade de recursos locais”, destaca o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco.
Apesar de a cobertura da rede geral de distribuição ter aumentado entre 2010 e 2022, as desigualdades persistem principalmente quando os domicílios com pelo menos um indígena nas terras indígenas são comparados aos números do total da população do país. Essa era a forma principal de abastecimento de água para 83,9% da população residente. Ainda que também fosse a forma principal para os moradores indígenas, essa proporção era bem menor (68,0%) entre eles e, especialmente, na parcela dessa população que vivia nas terras indígenas (40,0%).
“Há uma diversificação das fontes de abastecimento de água nos domicílios com pelo menos um morador indígena em Terras Indígenas com peso muito mais significativo do que na população como um todo ou mesmo na população indígena em geral”, destaca Antunes.
Quase 65% dos domicílios com moradores indígenas localizados nas terras indígenas não tinham acesso à água encanada até a habitação e proveniente de rede geral, poço, fonte, nascente ou mina, ou seja, estavam em condições consideradas inadequadas pelo Plansab. Viviam nessa situação 69,2% dos indígenas que habitavam as terras indígenas, o que corresponde a 395,3 mil pessoas. A proporção de domicílios com morador indígena com essa ausência é quase 12 vezes superior ao total de domicílios na população em geral nessa mesma situação (5,4%).
Em 10,8% dos domicílios, onde viviam 282,4 mil indígenas, não havia água encanada. Nesse caso, ela precisava ser transportada em baldes, galões, veículos e outros recipientes para uso dos moradores. Nas terras indígenas, essa proporção sobe para 29,7% dos domicílios com morador indígena, ou 38,2 mil. Nesses territórios, 186,7 mil indígenas viviam assim.
Havia água encanada até dentro de casa em 77,5% dos domicílios com pelo menos um morador indígena, onde moravam 1,1 milhão de indígenas. Enquadra-se nesse critério a água que vem diretamente em torneiras, chuveiros, vasos sanitários, entre outros, na própria habitação. Já em 11,6% dos domicílios, havia água encanada apenas no terreno, fora da habitação. Viviam nessa situação 290,3 mil indígenas (17,8%).
Nas terras indígenas, há uma proximidade entre as proporções dos domicílios com água encanada até dentro do domicílio (37,2%) e dos que tinham água encanada só no terreno (33,1%). Na primeira situação, estavam 184,6 mil indígenas e na segunda, 199,7 mil.
44,7% dos moradores indígenas não têm coleta de lixo direta ou indireta
Pouco mais da metade (55,3%) dos moradores indígenas de todos os tipos de domicílios particulares tinham a coleta no domicílio por serviço de limpeza ou depósito em caçamba de serviço de limpeza. Essa proporção é cerca de 35,6 pontos percentuais (p.p) inferior ao percentual da população residente em domicílios particulares permanentes no país (90,9%). Isso significa que o lixo produzido por 44,7% dos moradores indígenas nos domicílios em que não havia coleta seguia outro destino, como ser queimado ou enterrado na propriedade e jogado em terreno baldio, por exemplo. Em 2010, essa proporção era de 71,8%.
No Centro-Oeste, a desigualdade no acesso era ainda maior: cerca de 39,42% dos moradores indígenas tinham essa coleta direta ou indireta de lixo por serviço de limpeza, diferença de 50,2 p.p. para o total de moradores da mesma região nessa situação (93,1%). No Norte, a diferença também era grande. Menos da metade dos moradores indígenas (44,8%) tinha esse tipo de coleta, proporção 33,7 p.p. inferior à média da população da região (78,5%). Já o Sudeste tinha o maior percentual (85,0%).
Nas terras indígenas, a proporção de moradores indígenas que não tinham coleta de lixo direta ou indireta passou de 93,3%, em 2010, para 86,2% em 2022. “Há uma ausência dos serviços tanto para os moradores indígenas, de forma geral, quanto para os moradores que residem em terras indígenas, com a necessidade de recorrer a outro tipo de destinação como queimar na propriedade, enterrar, jogar ou outro destino”, diz Antunes.
Nas terras indígenas, 21,8% dos domicílios indígenas não têm banheiro
Em 83,1% dos domicílios, exceto do tipo habitações indígenas sem paredes ou malocas, com pelo menos um morador indígena (ou 621,1 mil), havia ao menos um banheiro de uso exclusivo, ou seja, que não era compartilhado com outros domicílios. Essa cobertura alcançava 71,7% dos moradores indígenas, 28,1 p.p. abaixo da proporção dos residentes do país na mesma situação (97,8%). Havia, portanto, 461,6 mil indígenas sem banheiro de uso exclusivo (28,3% do total).
Em 4,2% dos domicílios com moradores indígenas (26,3 mil), o banheiro era compartilhado. Nessas edificações viviam 105,3 mil indígenas (6,6% dos indígenas moradores de domicílios particulares permanentes). Em 7,6% dos domicílios com indígenas, onde habitavam 208,5 mil indígenas, havia apenas sanitários ou buracos para dejeções. Já em 5,1% dos domicílios com indígenas, não havia sequer essas opções. Ao todo, eram 31,4 mil domicílios, onde residiam 147,7 mil pessoas indígenas.
Essa proporção era ainda maior nas terras indígenas. Nelas, havia 29,9 mil domicílios com pelo menos um morador indígena sem banheiro ou sanitário, ou seja, dois a cada dez domicílios (21,8%) com pelo menos um morador indígena estavam nessa situação. O número caiu em relação ao último Censo, quando era de 32,8 mil.
“Entre 2010 e 2022, houve um aumento do percentual de domicílios com pelo menos um morador indígena com existência de banheiro de uso exclusivo e uma queda dos percentuais de domicílios indígenas com apenas sanitário ou buraco para dejeções, banheiros de uso comum a mais de um domicílio ou com ausência de banheiro e sanitário”, destaca Antunes.
44,8% dos domicílios indígenas tinham esgotamento sanitário precário
O esgoto tinha como destino principal fossa rudimentar, buraco, vala, rio, córrego, mar ou outra forma em 44,8% dos domicílios com pelo menos um indígena, exceto do tipo habitações indígenas sem paredes ou malocas, o que alcançava 391,2 mil indígenas que estavam em situação inadequada de acordo com os critérios do Plansab. Quando observada a população do país como um todo, a principal forma de destinação era rede geral ou fossa séptica ou fossa filtro (77,4% dos domicílios).
No Centro-Oeste, a situação de desigualdade fica mais evidente: na região, 73,9% dos domicílios tinham como destino do esgoto rede geral ou fossa séptica ou fossa filtro, enquanto nos domicílios com pelo menos um indígena, essa proporção era de 50,0%.
Já terras indígenas, embora a proporção tenha aumentado no período intercensitário, menos de um quinto dos domicílios com pelo menos uma pessoa indígena tinha o esgotamento por rede geral ou fossas sépticas. Esse acesso chegou a 9,42%, em 2010, e passou para 14,0%, em 2022. A presença das fossas rudimentares também aumentou nessas localidades, indo de 34,6 mil (34,70%) para 69,2 mil (50,38%) no período.
Habitações indígenas sem paredes ou malocas têm baixo acesso à rede geral de distribuição
A publicação destaca que cerca de 96,8% dos 9,3 mil domicílios do tipo habitação indígena ou malocas estavam localizados em terras indígenas. Por isso, na análise, foi considerado o conjunto dos domicílios, sem distinção pela localização. Essas habitações podem ter tamanhos variados, com um ou mais cômodos, abrigando uma ou várias construções e seu nome pode variar de acordo com a região.
Em mais da metade desse conjunto de domicílios (51,4%), ou em 4,8 mil deles, a principal forma de abastecimento de água se dava por rios, açudes, córregos, lagos e igarapés, forma que atendia à maioria (52,8%) dos moradores indígenas desse tipo de domicílio. Isso corresponde a 26,8 mil indígenas.
Já a segunda forma principal de acesso à água nesses domicílios era o poço profundo ou artesiano (24,7% do total), abastecendo o lar de 24,9% dos moradores indígenas nesses domicílios, o equivalente a 12,4 mil pessoas. O uso do poço foi seguido por rede geral de distribuição (14,3%) e por fonte, nascente ou mina (5,0%).
A maioria das habitações (68,2%) desse tipo não tinha banheiro. Por isso, os pesquisadores avaliaram o esgotamento sanitário com base em um universo de 2.976 domicílios (31,8%). O esgoto tinha como principal destino fossa rudimentar ou buraco (15,1%), seguidos de outra forma (7,1%) e vala (5,3%). Já no destino do lixo, em 96,5% dos domicílios, não havia coleta direta ou indireta.
Média de habitantes nos domicílios indígenas é de 3,64 pessoas
Havia 630,4 mil domicílios particulares permanentes ocupados no Brasil com pelo menos um morador indígena, o que representa 0,87% do total de 72,4 milhões. A média de moradores nesses domicílios era de 3,64 pessoas, número mais alto que a média dos domicílios ocupados no país (2,79 pessoas). No Norte, havia a maior média nesses domicílios (4,53), seguido pelo Centro-Oeste (3,64) e pelo Sul (3,30).
Cerca de 73,4% daqueles que viviam em domicílios com pelo menos um indígena eram indígenas. Além dos que viviam nos 630,4 mil domicílios particulares permanentes, que representavam 99,4% desses moradores, havia indígenas vivendo em 1,4 mil domicílios particulares improvisados (0,2%) e em 4,2 mil (0,4%) domicílios coletivos.
Fonte: Agência IBGE de Notícias - Imagem: Jéssica Candido/Agência IBGE Notícias