Letramento Filosófico e a Sociedade Contemporânea: A necessidade de crítica e reflexão em tempos de intolerância
Vivemos em tempos desafiadores, marcados pelo crescimento do ódio e da intolerância nas relações sociais. Vozes que, ao invés de dialogarem, parecem prontas para atacar e julgar, reforçando um cenário de racismo, etarismo, transfobia, misoginia, xenofobia, capacitismo e sexismo. Esse é o tema abordado no programa Palavra Aberta, que convida o pesquisador e professor da Universidade Federal do Piauí, Dayvison Lima, para discutir a importância do letramento filosófico como ferramenta para entender as raízes estruturais de uma sociedade marcada pela opressão e desigualdades. A apresentação é do jornalista Thiago Moraes.
Lima destaca que a filosofia, embora historicamente vinculada à crítica, também participou na formação de uma sociedade muitas vezes violenta e etnocêntrica. “Muitas das crises contemporâneas, como as crises ecológicas, sociais e éticas, são reflexos de uma racionalidade instrumental originada na filosofia antiga”, explica o professor, enfatizando que essa racionalidade inicialmente ignorava o corpo, o desejo e os afetos em prol de uma lógica rígida e competitiva.
Para Lima, o letramento filosófico não se limita ao ensino formal, mas implica em uma filosofia como forma de vida, onde a pessoa é estimulada a questionar, refletir e, sobretudo, desenvolver a crítica. “Crítica é discernir entre verdadeiro e falso, justo e injusto, e isso exige tempo — algo escasso na sociedade hiperacelerada das redes sociais", pontua. Em contrapartida, ele observa que as redes, ao promoverem uma “gamificação da experiência”, substituem o discernimento pela busca desenfreada por reações e validações superficiais, baseadas em impulsos e na dopamina.
A crítica filosófica é, portanto, um processo lento e contínuo que nos protege do dogmatismo e do senso comum, oferecendo ferramentas para questionar as estruturas injustas da sociedade e avançar rumo a uma convivência mais ética e consciente. Dayvison Lima ressalta que a filosofia, mesmo em tempos de redes sociais e competição extrema, é uma aliada poderosa para a construção de um mundo mais justo e crítico.
Em uma análise poderosa e profunda sobre o letramento filosófico, o pesquisador explora a interseção entre medo, capitalismo e patriarcado. Ele propõe que o medo não só constitui o afeto central das experiências políticas modernas, como também é um pilar que sustenta tanto o capitalismo quanto o patriarcado.
O Medo como afeto político central
Dayvison Lima destaca que o medo tem sido a base emocional das instituições políticas desde a era moderna. O receio de uma "morte violenta" e outras ameaças externas foram moldando nossa compreensão de Estado e poder, transformando o medo em uma ferramenta de controle social. Lima sugere que, ao invés de sentimentos como solidariedade ou empatia, foi o medo que acabou estruturando as relações políticas e sociais modernas. Esse afeto, segundo ele, impregnou-se na subjetividade das pessoas, fazendo com que nossa vivência social estivesse marcada pela preocupação constante de sobrevivência e de segurança.
O pesquisador descreve como o capitalismo, ao surgir no século XVI, incorporou o medo para estruturar sua lógica de mercado. O temor de perder o emprego, de ser vítima de violência ou de enfrentar dificuldades econômicas são expressões modernas do medo que permeiam a sociedade. Esse sentimento é usado para incentivar a produtividade e a manutenção da ordem econômica, criando um ciclo onde o medo sustenta a lógica capitalista de exploração.
Lima observa que o patriarcado age em paralelo ao capitalismo, reforçando estruturas de dominação que subjugam determinados corpos. As mulheres, por exemplo, tiveram papéis definidos historicamente como reprodutoras de mão de obra, servindo para perpetuar o sistema capitalista, enquanto os homens eram explorados como força de trabalho. Ele aponta que a exploração de gênero não era apenas uma exclusão econômica, mas uma forma de hiperesploração onde as mulheres contribuíam sem qualquer remuneração, reforçando a hierarquia social.
Racismo e Xenofobia: A competição e a exclusão como normas
A entrevista do Palavra Aberta também aborda como o medo sustenta a xenofobia e o racismo. O medo do "outro" alimenta a hostilidade em relação aos imigrantes e minorias, criando uma sociedade onde a competição e o individualismo se destacam. Lima identifica que, ao invés de uma cultura solidária, o sistema capitalista atual promove a eliminação do próximo em busca de sobrevivência, gerando ódio contra aqueles que ocupam as margens econômicas e sociais.
Filosofia como resiliência e reflexão
Ao final da entrevista, Dayvison Lima compartilha sua visão sobre o papel da filosofia como uma ferramenta de resistência e crítica. Para ele, a filosofia oferece um espaço para pensar além da ordem estabelecida, questionando e propondo alternativas à forma atual de organização social. Apesar de reconhecer a complexidade da situação e a dificuldade em mudar estruturas tão enraizadas, ele reafirma a importância da reflexão crítica e da busca por novas perspectivas, permitindo que a sociedade vislumbre alternativas ao colapso atual.
Embora a visão de Lima seja, por vezes, pessimista, ele sugere que a capacidade humana de reinventar-se e pensar criticamente é uma forma de esperança. Sua mensagem final é um convite para que, através da filosofia, as pessoas se questionem e resistam às formas de opressão, buscando uma sociedade menos centrada no medo e mais aberta à solidariedade.
Dayvison Lima ainda propõe um olhar provocativo e crítico sobre o letramento filosófico, levantando questões essenciais sobre como o medo, o capitalismo e o patriarcado interagem e moldam a sociedade. Ao explorar essas dinâmicas, ele sugere que a mudança começa pela reflexão e pela busca por novas formas de relação, com base na solidariedade e na empatia.
A entrevista completa você vê aqui
Fonte: TV Assembleia