Explosão de transtornos mentais requer atenção permanente

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 04/10/2022 13h05, última modificação 04/10/2022 11h07
Ligados a desequilíbrios químicos no cérebro e intensificados pela pandemia, casos de depressão e ansiedade sinalizam urgência nos cuidados psiquiátricos

(Saúde Abril) - A súbita mudança de rotina, o isolamento social, o medo e as incertezas desencadeados pela pandemia de Covid-19 agravaram a situação de quem convive com transtornos psíquicos, como ansiedade e depressão. Se antes da pandemia a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertava sobre o crescimento de mais de 18% dos casos entre 2005 e 2015,1 estimando em mais de 300 milhões o número de pessoas com depressão, no Brasil as estatísticas cresceram ainda mais sob o impacto da Covid-19: quase 12% de brasileiros relataram ter recebido diagnóstico desse tipo no período pandêmico.2

 

“Do ponto de vista psiquiátrico, este é um dos momentos mais desafiadores pelo qual já passamos”, diz a dra. Aline Matos, neurologista do Hospital Santa Paula, em São Paulo, que faz parte da Dasa, maior rede de saúde integrada do país. “A neurociência tem explicação para isso. Quando estamos em contato com outras pessoas, nossos neurônios são ativados de modos diferentes. Isso porque, ao vermos alguém, lembramos de assuntos em comum e mantemos a atividade cerebral em alta. Com o isolamento forçado pela pandemia, observou-se uma piora no desempenho cognitivo em quem tinha algum tipo de demência,3 por exemplo, além do aumento de sintomas psiquiátricos”, justifica.

 

A química do cérebro

 

De acordo com os especialistas da Dasa, depressão e ansiedade têm origem multifatorial. “Em alguns casos são as variações genéticas que predispõem a essas condições”,4,5 pontua a dra. Aline Matos. “Elas geram alterações e desequilíbrios nos neurotransmissores responsáveis pela comunicação entre os neurônios, como noradrenalina, serotonina, adrenalina. Isso vai provocando mudanças no padrão de sono, do hábito alimentar, além de diminuição da vontade de fazer as coisas”, explica.

 

O dr. Marcus Tulius, neurologista do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), que faz parte da Dasa, no Rio de Janeiro, chama atenção para evidências recentes que associam a depressão não tratada a um risco aumentado de demência e outras doenças degenerativas, bem como a uma maior mortalidade, sobretudo de origem cardiovascular.6 “Estudos de neuroimagem revelam que o transtorno prolongado pode levar a uma atrofia cortical em estruturas associadas a circuitos de atenção e memória, e o grau dessa atrofia está relacionado a maiores níveis de cortisol sanguíneo, um hormônio liberado em situações de estresse”,7 completa o neurologista.

 

Desfazendo equívocos

 

Depressão e ansiedade estão longe de significar qualquer tipo de fraqueza moral e é preciso vencer o mito de que basta força de vontade no processo de superação desses quadros. Diálogos francos sobre saúde mental podem ajudar a compreender melhor a extensão do problema e estimular a procura por ajuda profissional para diagnóstico e tratamento.

 

Para a dra. Livia Beraldo Lima, psiquiatra do Hospital Nove de Julho, também parte da Dasa, em São Paulo, é preciso desfazer equívocos capazes de propiciar a banalização dos quadros. Afinal, muitas vezes a depressão é confundida com tristeza e a ansiedade patológica, com a comum.

 

“Tristeza é uma alteração de humor, em geral, momentânea. Mesmo tomada por esse sentimento, a pessoa consegue manter as atividades que lhe dão prazer, fazer conexões saudáveis e planejar o futuro”, descreve a especialista. Na depressão, por sua vez, o indivíduo se sente envolto em uma névoa e tem a impressão de que aquele estado é permanente. Além disso, por vezes surgem repercussões físicas, como ganho ou perda de peso corporal, sonolência durante todo o dia ou, ao contrário, insônia. “As alterações cerebrais do paciente podem desencadear déficit de memória, pensamento mais lentificado e dificuldade de tomar decisões”,8 acrescenta a psiquiatra.

 

No que se refere à ansiedade, ela faz parte do dia a dia e aparece em diversas situações, como quando enfrentamos uma entrevista de emprego. Os transtornos ansiosos, por outro lado, afetam a vida pessoal e/ou o trabalho. “A sensação de que algo ruim está prestes a acontecer é constante. São alterações que chegam a provocar sintomas como tremor, insônia, diarreia, além de dor gastrointestinal e torácica”,9 observa a dra. Livia Lima. “Não por acaso é uma das causas de idas a serviços de emergência. Quando isso acontece, é importante, durante o atendimento, não menosprezar, porque o sofrimento e a dor são reais”, alerta.

 

Diagnosticar e tratar o quanto antes

 

O diagnóstico de depressão e ansiedade começa com uma avaliação do paciente e um levantamento de histórico familiar de problemas relacionados à saúde mental. “Não existe um exame específico, como o eletrocardiograma que detecta um infarto. Mas é possível usar escalas, testes e questionários que ajudam a rastrear as doenças e encaminhar a pessoa para um especialista”, diz a dra. Livia Beraldo Lima.

 

Ao identificar sintomas que sugerem os transtornos, conta a dra. Aline Matos, neurologista do Hospital Santa Paula, em geral o médico busca fazer o diagnóstico diferencial, ou seja, investigar outras causas possíveis para os sinais, como a presença de tumores, infecção ou inflamação cerebral. “Para excluir essas condições, são realizados exames de ressonância ou tomografia de crânio”, aponta a médica. “No contexto da pesquisa clínica, vem sendo usada também a ressonância funcional. Nela, o paciente é exposto a algumas atividades, por exemplo identificar animais ou falar palavras específicas, para que se avalie qual parte do cérebro responde a elas. O resultado ajuda a detectar transtornos mentais, mas esse tipo de exame ainda não está disponível na rotina diagnóstica”, afirma.

 

No plano terapêutico para o manejo tanto de ansiedade quanto de depressão, a psicoterapia tem papel preponderante. “Diferentes abordagens podem ser indicadas, como terapia comportamental ou psicodinâmica, de acordo com o perfil do paciente”, diz a dra. Livia.

 

O estilo de vida é componente importante da estratégia. Cuidar da saúde mental é entender que dedicar um tempo para si é um dos pilares do autocuidado. A prática regular de atividade física, por exemplo, contribui para um aumento da liberação de transmissores específicos ligados ao bem-estar, como a dopamina e a endorfina.10 “Hoje se discute também o papel dos alimentos tanto na regulação do humor quanto na resposta ao tratamento medicamentoso nos casos de depressão e ansiedade”,11 lembra a psiquiatra do Hospital Nove de Julho.

 

“No campo das medicações, contamos com várias classes de antidepressivos, entre eles os inibidores seletivos da recaptação da serotonina”, ressalta a dra. Livia Lima. Como eles propiciam maior disponibilidade desse neurotransmissor, colaboram para a melhora do humor.12 “Houve uma evolução grande em medicamentos, com moléculas mais modernas que geram menos ocorrências de efeitos colaterais. Também tivemos avanços significativos no uso de técnicas como estimulação transmagnética e eletroconvulsoterapia (ECT) para tratar depressão grave”, reforça a dra. Aline Matos.

 

Setembro Amarelo: vencendo estigmas

 

A divulgação de ações voltadas para a saúde mental ganha ainda mais peso ao se levar em conta que muitos dos transtornos psíquicos são responsáveis por desencadear ideação suicida. É por essa razão que campanhas como o Setembro Amarelo fortalecem o apelo em favor de atitudes de acolhimento e suporte emocional para quem precisa.

 

“É fundamental a participação da sociedade na causa da saúde mental, o que inclui profissionais de saúde, familiares, amigos, colegas de trabalho, membros da comunidade, educadores e líderes religiosos”, diz o dr. André Botelho, psiquiatra do Hospital Brasília, pertencente à Dasa, no Distrito Federal. “Identificar o momento em que é preciso recorrer à ajuda especializada é um passo importante para resgatar o equilíbrio mental e evitar a perda de vidas que podem ser tratadas”, acrescenta.

 

Para que as intervenções ocorram a tempo, alguns sinais de sofrimento psíquico servem de alerta, como perda de prazer em realizar atividades das quais a pessoa costumava gostar, irritabilidade constante, impaciência e inquietação. “Quando se observam mudanças no comportamento ou expressões de falta de esperança, é preciso saber escutar e oferecer ajuda”, diz o dr. André Botelho.

 

“Por uma questão cultural da sociedade contemporânea, as queixas emocionais nem sempre são levadas em consideração. O estigma e o preconceito, muitas vezes, geram vergonha e atrasam a busca por diagnóstico e tratamento. Precisamos reverter esse cenário. Saúde mental é tão importante quanto qualquer outro cuidado com o corpo”, conclui a dra. Livia Beraldo Lima.

 

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Fonte: Saúde Abril

Imagem: Dasa Divulgação

Edição: Site TV Assembleia