Crianças são vítimas ocultas da pandemia e impactos podem durar toda a vida, diz ONU
As crianças e os adolescentes são as principais vítimas ocultas da pandemia de coronavírus, aponta um relatório produzido por órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas).
Atingidos por restrições educacionais, alimentares e de renda, esses jovens sofreram impactos que podem perdurar por toda a vida, aponta o estudo.
O documento diz que há uma crise sem precedentes na educação e defende o reforço de programas sociais para fazer frente aos efeitos negativos da pandemia. Aponta ainda que famílias com crianças e adolescentes tiveram queda de renda mais intensa no período.
Publicado nesta quarta-feira (29), o relatório foi produzido pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a Opas (Organização Pan-americana da Saúde).
"Embora não tenham sido considerados como grupos de risco direto no início da pandemia, crianças e adolescentes têm sofrido impactos que podem perdurar durante toda a vida, ampliando as desigualdades existentes", diz o documento.
A avaliação é que a pandemia aumentou as desigualdades e seus efeitos sociais, econômicos e de saúde. Esses resultados serão sentidos pelos próximos anos, com impacto especialmente sobre os mais jovens.
Dados do Unicef apontam que em outubro de 2020, o Brasil tinha 5,5 milhões de jovens sem direito à educação, seja por não estarem na escola remota ou presencialmente, seja por não terem recebido nenhuma atividade escolar.
No mundo, mais de 1,4 bilhão de jovens foi afetado pelo fechamento das escolas a taxa de estudantes fora da escola é mais alta em países de menor desenvolvimento.
O Unicef também aponta que 28% das famílias no Brasil não têm acesso à internet. Esse percentual é mais alto para famílias de renda menor, chegando a 48% em áreas rurais.
"O fechamento das escolas também implica consequências imediatas, interrompendo o acesso a outros serviços básicos importantes, como merenda escolar, programas recreativos, atividades extracurriculares e apoio pedagógico, além da infraestrutura de saúde, água, saneamento e higiene que as instituições de ensino proporcionam", afirma.
A situação, somada às dificuldades de acesso a tecnologias e à internet, pode gerar um aumento nas taxas de abandono escolar, trabalho infantil e gravidez na adolescência.
Para os autores, a educação cumpre importante papel de quebrar a transmissão de desigualdades entre gerações. Por isso, o efeito da pandemia deve gerar impactos de longo prazo na aprendizagem e no bem-estar dos jovens.
Pesquisa do Unicef mostra que famílias com crianças e adolescentes apresentaram maior queda na renda e maior insegurança alimentar por causa da pandemia.
Entre os entrevistados no Brasil que não possuíam jovens na família, 50% declararam que o rendimento domiciliar caiu durante a crise sanitária. No recorte feito com as pessoas que residem com crianças ou adolescentes, 61% relataram diminuição de renda.
Esse efeito foi mais forte entre as pessoas com remuneração de até um salário mínimo. Nesse grupo, 69% afirmaram que tiveram perda de renda na pandemia.
Entre as propostas elaboradas para direcionar a execução de políticas públicas nessa área, os órgãos da ONU defendem que seja priorizada a reabertura de escolas com segurança, além da promoção de iniciativas para reduzir a exclusão digital.
O documento pede ainda a busca pela redução da pobreza, o fim do trabalho infantil, a geração de oportunidades de formação e acesso ao trabalho a jovens de 14 a 24 anos, o apoio à saúde mental desse grupo e a continuidade de serviços de saúde e nutrição para crianças e adolescentes.
Segundo o documento, o mundo está retrocedendo em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que buscam ações para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida das pessoas. A avaliação é que os jovens são os mais afetados por esse retrocesso.
"Sem uma ação coordenada para prevenir, mitigar e responder aos efeitos da pandemia, as consequências para este segmento agora, e para a sociedade como um todo no futuro, serão graves", diz.
Em agosto, a Folha mostrou que o governo Jair Bolsonaro não havia gasto nenhum centavo dos R$ 220 milhões reservados para o programa Educação Conectada, que busca levar internet para escolas públicas.
Dificuldades de conexão estão entre os principais entraves para o ensino híbrido, aposta das redes de ensino na retomada de aulas presenciais.
Um quarto das escolas públicas brasileiras não tem acesso à internet e, mesmo entre aquelas com conexão, poucas têm velocidade adequada para o uso pedagógico de professores e alunos.
O governo Bolsonaro já vetou proposta que garantia internet a alunos pobres e, depois da derrubada do veto pelo Congresso, brigou na Justiça para não investir R$ 3,5 bilhões previstos na lei.
Além disso, a atual gestão editou uma medida provisória que alterou a lei e retirou prazos para esse investimento.
Na segunda-feira (27), o Congresso derrubou outro veto do presidente, dessa vez a uma proposta que prevê repasses do governo federal para ampliar o acesso das escolas públicas à internet em alta velocidade.
O veto presidencial impedia então o financiamento através do Programa Dinheiro Direto na Escola para a contratação de serviço de acesso à internet e construção de infraestrutura para distribuição do sinal nas escolas.
Ao justificar o veto, agora derrubado, o governo afirmou que a proposta contrariava o interesse público, porque "há ampliação de despesas obrigatórias e não há demonstração da compensação financeira permanente".