Conheça os teratomas ovarianos, tumores que têm dentes e cabelos
Imagine um jardim meticulosamente cuidado, onde cada flor desabrocha com perfeição. Da mesma forma, o corpo humano orquestra o crescimento e a diferenciação celular com precisão. No entanto, às vezes, uma célula desafia a ordem, assemelhando-se a uma semente que dá origem a uma planta totalmente inesperada. É assim que os teratomas entram em cena, como uma floração misteriosa no terreno da biologia humana, frequentemente nos ovários de mulheres jovens.
Essas estruturas incomuns são como obras de arte abstrata criadas pela própria biologia. Para compreendê-las, deve-se desvendar suas causas, consequências e os esforços da ciência. A palavra teratoma ecoa o seu conteúdo variado, derivado do grego teras, que significa monstro, e oma, um sufixo médico para tumor ou massa. Assim, teratoma significa, literalmente, tumor monstruoso, aludindo à sua capacidade única de incorporar tecidos que se assemelham a partes do corpo humano ou outros órgãos.
De acordo com a obra History of Teratomas (1983), de James E. Wheeler, especialista pela Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia (EUA), a história dos teratomas remonta ao século 7 a.C., quando tabuletas da Biblioteca Real Caldéia de Nínive, na antiga Assíria, registraram ocorrências dessa enigmática condição médica que intrigou gerações de médicos e patologistas por séculos.
Ao longo do tempo, o conhecimento sobre teratomas progrediu, evoluindo de descrições fragmentárias na Antiguidade para observações anatômicas detalhadas nos séculos 17, 18 e 19. As observações clínicas também avançaram, passando de casos isolados para relatos de séries de casos, proporcionando um entendimento mais profundo dos sinais e sintomas clínicos. Graças aos biólogos experimentais, os mistérios que antes eram considerados superstições e mitos foram revelados nas últimas décadas.
A origem das características únicas dos teratomas está relacionada a uma célula especial chamada célula germinativa primordial, identificada pela primeira vez em 1961 por Leroy Stevens, um cientista que estava realizando experimentos com camundongos.
O que torna essa célula única não é sua capacidade de se transformar em diferentes tipos de células, como as células-tronco embrionárias, mas, sim, sua habilidade de destruir outras estruturas no tumor. Essa descoberta teve um grande impacto nos estudos relacionados às células-tronco e aos teratomas.
De acordo com o ginecologista do Hospital Santa Luzia Guilherme Maia Veloso, os teratomas são tumores que se originam de células germinativas, responsáveis por produzir os gametas e transmitir informações genéticas para a próxima geração, contendo metade do número de cromossomos das células somáticas e que se formam durante o desenvolvimento embrionário.
Essas células são tipicamente encontradas nas gônadas, ou seja, nos ovários e nos testículos. Embora sejam menos comuns em homens, a formação de teratomas pode ocorrer antes do nascimento e continuar a crescer lentamente ao longo da vida da pessoa. "Existem casos de aparecimento em locais além das gônadas, com as regiões do tórax, abdômen e cérebro. Nos casos de teratomas benignos, na maioria das vezes, não há comprometimento da fertilidade, mas isso pode depender do tamanho."
Causas
O médico ginecologista Guilherme Maia Veloso aponta que a causa dos teratomas ainda não é totalmente compreendida. Sabe-se que surgem a partir da falha de uma única célula, que se desenvolve formando o tumor. “Estudos indicam que um componente genético está associado. Porém casos familiares são raros e, portanto, não são considerados hereditários”, afirma.
Sintomas
O ginecologista destaca que, na maioria das pacientes, os teratomas são assintomáticos, ou seja, não causam sintomas, sendo encontrados na maior parte das vezes de forma incidental ao realizar um exame preventivo ou de imagem.
Quando causam sintomas, os mais comuns são
- Dor e desconforto em baixo ventre
- Sensação de peso e aumento do volume abdominal, sendo esses mais relacionados ao tamanho do teratoma
- Quadros agudos de dor intensa podem indicar alguma complicação como torção ou ruptura do teratoma
Diagnóstico
O especialista explica que, após uma adequada anamnese (diálogo e investigação) e a realização de exame físico em paciente com queixas, o diagnóstico do teratoma é normalmente realizado por meio de exames de imagem. O principal exame é a ultrassonografia, mais comumente por via transvaginal, mas também possível por via transabdominal, a depender do caso.
“A Ressonância magnética também é um exame adequado para diagnóstico do teratoma. Exames laboratoriais, incluindo marcadores tumorais, são solicitados no intuito de diferenciar os teratomas de outras patologias ovarianas."
Tratamento
Via de regra o tratamento para teratoma é a retirada cirúrgica, realizando sempre que possível a preservação do ovário. Em alguns casos selecionados, é possível uma conduta expectante e manter um acompanhamento com exames de imagem periódicos. “Para isso, levamos em conta diversos fatores, entre eles o tamanho do teratoma, a idade da paciente e o desejo de preservar fertilidade”, enfatiza Guilherme.
Sobre a malignidade
De acordo com Roberto Pestana, oncologista clínico do hospital Israelita Albert Einstein, os teratomas podem ser benignos (teratoma maduro) ou maligno (teratoma imaturo/maligno) e se originam das células germinativas. Não existem fatores de risco ambientais bem definidos para teratomas, mas o histórico familiar de neoplasias pode ser relevante.
O tratamento principal para teratomas imaturos (câncer) é a cirurgia, com a possibilidade de tratamentos complementares, como quimioterapia em casos selecionados. O acompanhamento pós-tratamento envolve avaliação clínica, exames de sangue e exames de imagem periódicos para detectar a recorrência.
Avanços recentes incluem diagnóstico mais preciso, caracterização genética e terapias direcionadas, especialmente para fatores de risco genéticos. “Em casos de teratomas benignos, a cirurgia pode ser indicada também. A fertilidade pode ser preservada em parte dos casos, e o planejamento dos tratamentos deve ser individualizado, de acordo com aspectos técnicos da cirurgia e levando em conta preferências do paciente”, afirma o oncologista.
Palavra do especialista
Quais são as características histológicas distintas dos teratomas e como elas variam entre teratomas benignos e malignos?
Os teratomas são tumores compostos por uma mistura de tecidos variados, refletindo a recapitulação da embriogênese. Esses tecidos podem incluir pele, cartilagem, osso, mucosa gástrica e outros. A variação entre teratomas benignos e malignos está relacionada à diferenciação dos tecidos. Teratomas benignos tendem a conter tecidos bem diferenciados, enquanto os malignos apresentam tecidos menos diferenciados e, às vezes, podem dar origem a tumores malignos diferentes, dependendo do tecido que sofre a malignização.
Teratomas podem conter diferentes tipos de tecidos e estruturas, como cabelo, dentes e ossos. Como esses elementos são identificados no exame histológico e o que isso revela sobre a natureza do tumor?
Elementos como cabelo, dentes e ossos podem ser identificados durante o exame histológico dos teratomas. Essa presença revela a capacidade dos teratomas de recapitular a formação normal do corpo. A identificação desses elementos ajuda a diferenciar a natureza deles.
Isabela Werneck é patologista da Rede D’or
Com Informações Correio Braziliense
Imagem: Freepik