Conheça o transtorno borderline: no limite das emoções

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 20/09/2022 08h15, última modificação 19/09/2022 16h32
Também conhecido como transtorno de personalidade limítrofe, o borderline é caracterizado pela desregulação emocional, impulsividade e sentimento de vazio persistente

 O transtorno de personalidade borderline (TPB) é caracterizado pela desregulação emocional. Geralmente, o TPB é confundido com a bipolaridade. No entanto, a diferença entre os dois transtornos é que, enquanto o indivíduo bipolar alterna entre os pólos depressivo e maníaco, o border apresenta emoções intensas e oscilações de humor em curtos espaços de tempo. A explicação mais aceita atualmente para a origem do borderline é a de que o transtorno é biossocial, ou seja, há aspectos genéticos e sociais envolvidos.


Existem aspectos genéticos e biológicos, como uma predisposição maior para quem possui genitores com TPB, bipolaridade, depressão, entre outros transtornos; e um fator de aprendizagem social, o que significa dizer que o núcleo familiar dessa pessoa também pode ser uma predisposição ao transtorno. Existem pesquisas que mostram que a pessoa ter passado por um trauma, como abuso sexual, sem considerar outros fatores, pode ser um fator para desenvolver o transtorno", explica a psicóloga Jheniffer Rodrigues.

 

O Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) descreve nove sintomas característicos do borderline. Para ser diagnosticado com o transtorno, é necessário atender a pelo menos cinco sinais listados. Jhenniffer explica que há várias formas de “ser borderline” , sendo necessário se atentar para a individualidade de cada pessoa. "Não é que exista um grau que seja mais leve ou mais difícil, pois para quem possui o transtorno, o sofrimento emocional geralmente é muito grande. O que pode ocorrer é de o indivíduo não fechar todos os critérios necessários e possuir traços do TPB", pontua a especialista.

 

Confira os critérios do DSM-5:


  • Esforços desesperados para evitar o abandono (real ou imaginado);
  • Relacionamentos intensos e instáveis que se alternam entre idealização e desvalorização da outra pessoa;
  • Autoimagem ou senso do eu instável;
  • Impulsividade em 2 áreas que pode prejudicá-los (Exemplos: sexo inseguro, compulsão alimentar, dirigir de forma imprudente);
  • Comportamentos, gestos e/ou ameaças repetidos de suicídio ou automutilação;
  • Mudanças rápidas no humor, normalmente durando apenas algumas horas e raramente mais do que alguns dias;
  • Sentimentos persistentes de vazio;
  • Raiva inadequadamente intensa ou problemas para controlar a raiva;
  • Pensamentos paranoicos temporários ou sintomas dissociativos graves desencadeados por estresse.

 

A psicóloga Jheniffer destaca, ainda, que é possível observar os sintomas do transtorno já na infância ou adolescência. Entretanto, no Brasil, atualmente, só é possível fechar o diagnóstico a partir dos 18 anos. "Existem pesquisas que investigam o borderline na infância também, mas nada sólido até o momento. De qualquer forma, há transtornos na infância que podem ser predisposição ao TPB na vida adulta, como é o caso do Transtorno Opositor Desafiador (TOD)", ressalta. A Associação Brasileira de Psiquiatra (ABP) estima que 10% dos pacientes diagnosticados no país cometem suicídio.

 

Desregulação emocional

 

A psicóloga Luciana Fabro explica que a desregulação e intensidade emocional estão entrelaçadas no borderline. Por isso, um dos objetivos do tratamento é estimular o autoconhecimento e habilidades para regular as próprias emoções. “A intensidade deriva da desregulação emocional. Essa se caracteriza por uma falta de habilidades e autoconhecimento das emoções. Ou seja, cada vez que uma situação desafiadora surgir, a emoção vai tomar uma proporção grandiosa e intensa que o indivíduo vai se sentir quase como encurralado pela emoção, não conseguindo retornar para o estado de base (estado normal), permanecendo em intensa emoção, influenciando seus comportamentos e impulsos”, explica a especialista.

 

Em 2019, Luciana foi diagnosticada com o transtorno. Ela conta que, antes, o borderline era chamado de transtorno de personalidade limítrofe, pois o entendimento era o de que os indivíduos viviam no limite entre neurose e psicose. A psicóloga diz, ainda, que por conviver com os sintomas que os pacientes também vivenciam, ela se sente ainda mais motivada a ajudá-los. “Por vezes, é desafiador conviver com os sintomas e, por isso, procuro estar em contato com os profissionais que me ajudam (psicóloga e psiquiatra)”, ressalta.

 

A bacharel em design de moda Bárbara Malheiros suspeitou da possibilidade do borderline aos 18 anos de idade. No início da juventude, ela começou a se automutilar, usar excessivamente álcool e drogas e ter ideações suicidas. “Dos meus 18 aos 20 anos foi o momento que eu fiquei desordenada e desacreditada, pois não tive ajuda de quem eu precisava”, lembra. Primeiramente, Bárbara foi diagnosticada com depressão, o diagnóstico de borderline veio de um processo longo, com duração de 6 anos.

 

Bárbara, que também é mãe de dois filhos, cita a capacidade de se adaptar facilmente como uma das características positivas do transtorno. “Sempre fui um camaleão", define a pós-graduanda em comunicação e marketing digital. No entanto, ela também reconhece que esse aspecto pode ser prejudicial por causar a anulação de si mesmo. Os sintomas do borderline geralmente fazem com que as relações interpessoais dos indivíduos sejam afetadas. “Você olha para o seu amigo ou para algum familiar e tenta reconhecer alguma coisa que está sentindo no outro para pedir ajuda ou conselho, mas não acha. Essa foi a minha angústia, eu não achava”, relata.

 

Ela conta que sentia um forte sentimento de identificação com a então melhor amiga, que infelizmente cometeu suicídio. Na época, Bárbara não sabia do diagnóstico da amiga. Ela avalia que faltaram pessoas que as compreendessem ou em quem pudessem se identificar, então decidiu criar o perfil no Instagram, o 'Mãe com border', como uma maneira de informar e se conectar com as pessoas que suspeitam ou são diagnosticadas com o transtorno.

 

 

Bárbara também tem o desejo de criar uma ONG de acolhimento para mulheres com borderline. “Muitas acabam não tendo um relacionamento, não conseguindo concluir faculdade ou cuidar dos filhos. Não sou psicóloga, mas faço questão de dar apoio”, afirma.

 

O neurologista e psiquiatra Hugo Martins explica que os estudos de ressonância magnética mostram que as áreas cerebrais responsáveis pelas respostas emocionais, como o sistema límbico ou a amígdala, são alteradas no indivíduo com o transtorno. “Elas são muito hiperativadas em quem tem borderline. As respostas emocionais são sempre intensas. Raiva, medo e tristeza vêm com muita intensidade”, frisa o especialista.

 

Importância do diagnóstico

 

Diagnósticos tardios são comuns porque, geralmente, o borderline acarreta outros transtornos, como ansiedade, depressão ou compulsões. "Os profissionais que não têm muito treinamento para identificar o borderline vão ver primeiro os outros problemas, e nisso vai ocorrendo um atraso no diagnóstico e provoca prejuízos ao indivíduo", pontua o psiquiatra Hugo Martins.

 

Com o diagnóstico, é possível ser tratado adequadamente, com acompanhamento psicológico e psiquiátrico voltados especialmente ao transtorno. A abordagem terapêutica mais recomendada é a Terapia Comportamental Dialética, criada na década de 1970 pela psicóloga norte-americana Marsha M. Linehan, diagnosticada com borderline.

 

A psicóloga Luciana Fabro explica que essa linha psicoterápica é fundamentada em três pilares: aceitação, mudança e dialética. "Sem aceitação não há mudança, e o contrário também não funciona. A dialética vem como uma forma de interligar os pensamentos do indivíduo e do que é considerado saudável, a fim de pensar em uma funcionalidade diferente do que já é feito por ele para as situações", resume a especialista.

 

Para a escritora Viviane Ficher, o diagnóstico foi um divisor de águas. "Consegui entender meus comportamentos, procurar ajuda profissional e tratar todas as minhas questões referentes ao transtorno", conta. Antes de saber que o que ela sente tem nome, Viviane diz que vivia angustiada e com muitas perguntas sobre si mesmo. Por ter tido pouco acolhimento das pessoas ao redor, ela criou o perfil no Instagram Meu olhar borderline.

 

 

"É uma rede de apoio, eu acolho e sou acolhida de volta. E o mais importante, eu me sinto em casa, confortável e feliz nesse perfil, rodeado de outras pessoas que sentem na pele o que é viver na borda e ser border", afirma a escritora. Aos recém-diagnosticados, Viviane aconselha pesquisar sobre o transtorno em fontes seguras e buscar ajuda psicológica, pois a terapia é essencial. "No início, tudo vai ser assustador mesmo. E a sensação é a de que é o fim de tudo. Mas na verdade é apenas o começo. Diagnóstico não é uma sentença, é um passaporte para a liberdade", defende.

 

Com o tratamento adequado, também é possível haver a remissão dos sintomas, como é o caso da Bárbara Malheiros. "Por eu estar em processo de remissão, estou na fase do autoconhecimento, encaminhando e melhorando a cada dia mais o meu autocontrole", diz a designer de moda.

 

O que são transtornos de personalidade?

 

Segundo o neurologista e psiquiatra Hugo Martins, a personalidade é um conjunto de características, que abrange o jeito de ser, de se comportar perante o mundo, enxergar as pessoas e a si mesmo. "Quando esse conjunto é desadaptativo, ou seja, ele não atende as demandas do indivíduo, aí significa que ele tem um transtorno. Mais ou menos 10% da população mundial têm algum transtorno de personalidade", explica o médico.

 

Os transtornos de personalidade são divididos em três categorias: A, B e C. No tipo A, são agrupados os indivíduos considerados excêntricos, com os transtornos de personalidade paranóide, esquizóide e esquizotípico. Já o grupo B corresponde às personalidades dramáticas, emotivas e erráticas, abrangendo os transtornos de personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista. E por fim, na categoria C há as pessoas com personalidade medrosa ou ansiosa, com os transtornos de personalidade esquiva, dependente e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

 

Como ajudar alguém em crise?

 

De acordo com a psicóloga Jheniffer Rodrigues, as crises no borderline estão mais associadas a alguma situação que ocorreu no momento e não no passado. Sendo assim, é importante ajudar o indivíduo a desviar o foco dos pensamentos que estão o afetando. "Geralmente, esses pensamentos acabam ocasionando crises, gerando sentimentos difíceis de serem controlados e traz uma exaustão emocional grande para a pessoa", explica.

 

Como recomendação, a especialista orienta a prática de atividades de distração, banho gelado, exercícios ou respiração consciente. "Direcionar os pensamentos, distrair para alguma outra coisa até que a pessoa tenha capacidade de, futuramente, lidar com aquela situação que acabou gerando gatilhos emocionais. É válido lembrar que uma crise nunca vai surgir do nada", conclui a psicóloga.

 

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Fonte: Correio Brasiliense

Imagem: Reprodução/Freepik/@pch.vector

Edição: Site TV Assembleia