Como a pandemia da covid-19 pode ter ajudado a criar bactérias superresistentes

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 16/10/2021 16h20, última modificação 16/10/2021 16h20
Crenças equivocadas e outros motivos promoveriam o consumo exagerado de antibióticos durante a pandemia, o que pode ajudar a tornar as bactérias mais resistentes. Organizações alertam para o assunto
A pandemia de covid-19 pode acelerar o processo de evolução da chamada resistência bacteriana. Isso acontece quando esses micro-organismos conseguem se adaptar e se tornar refratários ao tratamento com antibióticos, dando origem a bactérias mais difíceis de combater.

Consideradas um desafio para a medicina, as chamadas superbactérias já eram motivo de preocupação das principais organizações de saúde antes mesmo do Sars-CoV-2 se espalhar pelos seis continentes e infectar mais de 235 milhões de pessoas.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019, a estimativa era de que, até 2050, cerca de 10 milhões de pessoas morreriam, a cada ano, por doenças resistentes a medicamentos. Agora, a previsão está sendo revista.

Em fevereiro de 2021, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), afirmou, em um comunicado, que "a resistência aos antibióticos ainda é uma ameaça à saúde pública durante a pandemia" e que estava monitorando "de perto" a relação entre o uso desses fármacos para a doença e a resistência antibacteriana em todo o país. Antes disso, no fim de 2020, a regional europeia da OMS publicou um comunicado alertando sobre esse mesmo risco.

Uma pesquisa comportamental conduzida pela OMS em nove países europeus apontou um crescimento do uso de antibióticos durante a pandemia. Entre os que tomaram esses medicamentos, 79% a 96% afirmaram que os utilizavam acreditando que poderiam prevenir a infecção. Ainda de acordo com a entidade, 75% dos internados em estado grave receberam antibióticos, apesar de apenas 15% terem desenvolvido coinfecções causadas por bactérias, que justificariam a indicação.

Cenário no Brasil

No Brasil, o consumo de antibióticos também parece ter aumentado. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2020, a venda do antibiótico azitromicina cresceu 105%.

Esse fármaco pode integrar o tratamento de doenças respiratórias causadas por bactérias, porém não é indicado para uso preventivo ou para o combate da covid-19 em si. Nesse contexto, a azitromicina e outros possíveis antibióticos só entrariam em cena quando há uma clara suspeita de coinfecção por uma bactéria oportunista.

"O uso desnecessário ou indiscriminado de antibióticos pode, com o tempo, tornar infecções bacterianas simples em doenças difíceis de serem combatidas", afirma Geraldo Druck Sant’Anna, médico e professor de otorrinolaringologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

O médico, que também é ex-presidente da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial (ABORL-CCF), explica que as vias aéreas superiores - nariz e cavidade nasal, faringe e laringe - são a porta de entrada para vírus e bactérias causadores de diversas doenças. As infecções virais, mais comuns, são frequentemente tratadas equivocadamente com antibióticos.

"Ainda que no Brasil o consumo de antibióticos seja controlado com a retenção da receita médica desde 2010, é comum que pacientes peçam indicação aos médicos durante a consulta. Também não é incomum o médico prescrever o medicamento por avaliação equivocada, por precaução de piora do quadro ou por não poder acompanhar a evolução do estado de saúde nos próximos dias", enumera o otorrinolaringologista.

O diagnóstico correto, que considera histórico do paciente, tempo de sintomas e, quando necessário, exames laboratoriais, é fundamental para a indicação do tratamento correto. "Em infecções virais, é necessário observar e apenas tratar os sintomas com remédios, ajudando o paciente a passar pelo período natural da doença com menos desconforto", ensina. A ingestão de líquidos e repouso também são eficientes no tratamento.

Com informações Cristiane Santos, da Agência Einstein
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