Cientistas alertam para o perigo dos nanoplásticos nos alimentos
Correio Brasiliense - O manejo do lixo plástico é um dos maiores desafios ambientais da atualidade. Além de presente em diversos produtos, esse material, quando se degrada, se transforma em partículas minúsculas que podem ser inaladas e ingeridas. Pesquisadores da Universidade da Finlândia Oriental (UEF) buscam rastrear essa ameaça invisível. Em um experimento, eles mostram como os nanoplásticos podem entrar indiretamente no organismo de seres vivos por meio da cadeia alimentar. Detalhes da pesquisa foram publicados recentemente na revista Nano Today.
Com tamanho entre um e 1 mil nanômetros — um nanômetro equivale a um bilionésimo de um metro —, os nanoplásticos podem ser transportados no ar e romper barreiras fisiológicas. Estudos indicam que os solos agrícolas podem estar recebendo altas quantidades desse despojo proveniente da atmosfera, da irrigação com águas residuais e do uso de plástico na cobertura de plantio, entre outras fontes. Descobrir até que ponto esses fragmentos podem atingir culturas comestíveis e, consequentemente, a cadeia alimentar desafia cientistas.
Para detectar e medir a quantidade de nanoplásticos em seres vivos, a equipe da UEF simulou um ciclo alimentar em três níveis trófricos (alimentares): a alface, que é comida por larvas da mosca-soldado negro, que alimentam peixes da espécie Rutilus rutilus. No plantio do vegetal.
Jussi Kukkonen, um dos autores do artigo e professor de ecotoxicologia da UEF, contou os critérios de seleção: "Queríamos utilizar dois tipos diferentes de polímeros que são normalmente utilizados em diferentes destinações e, desse modo, têm elevado potencial para acabar no ambiente".
Durante os testes, os pesquisadores mantiveram as plantas de alface no solo por duas semanas, até colhê-las para alimentar as larvas da mosca por cinco dias. Em seguida, os insetos crescidos foram usados para alimentar os peixes pelo mesmo período de tempo. A alface, as larvas e os peixes foram dissecados, e o material analisado em um microscópio eletrônico de varredura.
O resultado mostrou que os nanoplásticos subiram das raízes das alfaces em direção às folhas. Mesmo depois de 24 horas com o intestino vazio, notou-se a presença das partículas de PS e PVC nas cavidades bucais e no intestino das moscas alimentadas pelo vegetal. O número de resíduos de cloreto de polivinila nos insetos foi maior, quando comparado à concentração de poliestireno — os mesmos resultados percebidos nas alfaces. Ao examinar os peixes, os pesquisadores detectaram resíduos de plástico nas brânquias, no fígado e nos tecidos intestinais dos animais.
Mais pesquisas
O trabalho chamou a atenção de Alessandra Augusto, docente do Departamento de Ciências Biológicas e Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no câmpus Litoral Paulista. Segundo a professora, que, há três anos, pesquisa os micro e nanoplásticos no meio ambiente, já se sabia que as plantas podem absorver esse material do solo e transportá-lo para os brotos. "O estudo finflandês inova ao mostrar que os nanoplásticos podem ser transferidos para as teias alimentares", avalia.
Alessandra Augusto explica que, embora estejam crescendo as pesquisas acerca da toxicidade desses resíduos, são necessárias mais investigações para avaliar o impacto dessas partículas na saúde dos seres vivos. A opinião é compartilhada por Kukkonen. "A questão geral é obter informações mais fiáveis sobre potenciais efeitos a longo prazo dos nanoplásticos nos organismos, bem como nos seres humanos", justifica.
Duas perguntas para...
Marcelo Luiz Martins Pompêo, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São PauloMarcelo Luiz Martins Pompêo
Em razão do tamanho, os nanoplásticos podem ser mais perigosos que os microplásticos?
Ao longo do tempo, todos os plásticos passarão a ser nanoplásticos. O que hoje se sabe é que, quanto menor o tamanho das partículas, mais facilmente são transportadas e ingeridas pelos organismos. E, no caso dos nanoplásticos, em função de seu menor tamanho, podem entrar no interior de células e mais facilmente serem passados para os demais níveis tróficos Os estudos mostram que, quanto menores os tamanhos das partículas, proporcionalmente mais compostos podem ser adsorvidos na superfície do microplástico e mais ainda no nanoplástico, pois é ainda menor. Assim, em decorrência do menor tamanho, da facilidade de entrar nos organismos e de ser transportado e por, potencialmente, ter mais compostos adsorvidos, os nanoplásticos são mais potencialmente perigosos do que os microplásticos. Digo potencialmente, pois também ficará na dependência da classe de compostos adsorvidos, com alguns compostos mais potencialmente tóxicos do que outros.
Retirar os microplásticos da natureza é um desafio aos pesquisadores da área ambiental. Já existem projetos em andamento capazes de eliminar esses rejeitos de oceanos e solos, por exemplo?
A remoção dos micro e nanoplásticos em grande escala é praticamente impossível. No entanto, é possível coletar, na natureza, plásticos maiores, seja pelo uso de máquinas, seja pela catação manual mesmo. Mas o ideal é esticar a vida útil dos plásticos que utilizamos, com reúso e reciclagem o máximo possível. Mas também há que ter políticas públicas disciplinando o uso dos plásticos e seu descarte. Há que inibir o uso de plásticos de uso único, como pratos, sacolas, garfos, plásticos de embalagens etc., além de fortalecer o reúso e a reciclagem que, no conjunto, visam reduzir a sua produção. Também há que fiscalizar e punir quem descartar de modo inadequado. São questões complexas, em um mundo muito dominado pelo uso dos plásticos, mas teremos que enfrentar essa questão. A hora é agora.
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Fonte: Correio Brasiliense
Imagem: Reprodução