Brasil precisa de norma nacional para políticas LGBTQIA+

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 10/03/2023 08h20, última modificação 09/03/2023 20h32
Piauí fica em 1° lugar em cidadania e justiça social para a população LGBT

A falta de compromisso de parte dos gestores públicos com o combate à discriminação e à violência contra a população LGBTQIA+ reforça a urgência da aprovação de uma regra nacional que estabeleça as responsabilidades de cada ente do Poder Público. A avaliação é da secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat (Foto).

 

Segunda a secretária, embora já existam alguns mecanismos legais, como a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, de 2011, a ausência de uma norma nacional, a exemplo dos estatutos da Criança e do Adolescente (ECA) ou do Idoso, permite que cada estado, município e órgão federal aja da forma que achar melhor ao tratar dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, intersexuais, assexuais e pessoas com outras orientações sexuais e/ou identidades de gênero.

 

“A falta de uma normativa nacional, de uma política nacional, permite que cada ente faça do seu jeito. E aí, quem tem mais comprometimento faz um pouco mais. Nos estados, municípios e até mesmo no âmbito federal, ficamos à mercê da proximidade [do gestor responsável] com a pauta; de um bom senso”, disse, durante a divulgação dos resultados de um levantamento realizado pelo Programa Atenas, iniciativa de várias entidades que monitoram as políticas públicas destinadas à população LGBTQIA+.

 

De acordo com os responsáveis pela pesquisa, o combate à discriminação contra esta parcela da população esbarra na falta de comprometimento dos governos locais. Das 27 unidades da Federação, 19 não têm um plano ou programa específico para a população LGBTI+. Além disso, só 52% das unidades da Federação têm leis para o uso do nome social de transexuais e travestis e 51% estabelecem penalidades administrativas por preconceito de sexo e orientação sexual.

 

“Concordo que falta comprometimento por parte de muitos governantes estaduais e municipais, mas acho que os resultados também apontam para a tarefa de construirmos [a nível federal] uma política nacional para os direitos da população LGBTQIA+”, acrescentou a secretária.

 

Para Symmy Larrat, o ideal seria que deputados federais e senadores aprovassem um projeto de lei discutido com a sociedade, mas se o debate não avançar, o governo federal terá que ser proativo. “Não podemos ficar à mercê das omissões de quem quer que seja. Precisamos focar no que concerne ao Poder Executivo fazer”, afirmou a secretária nacional, destacando que, inicialmente, é papel do Poder Executivo Federal “construir” o diálogo com o Congresso Nacional e com setores da sociedade civil organizada para tentar fazer com que o debate avance.

 

“Precisaremos intensificar o diálogo e mediar a construção de políticas públicas. Pode ser via projeto de lei ou por decreto. Mas precisaremos dialogar com a ala mais progressista do Congresso Nacional e também com os setores mais conservadores, aos quais temos que convencer sobre a importância destas vidas. Vamos ter que avançar com o que temos”, finalizou.

 

A secretária lembrou que a demanda por uma política nacional específica para o segmento LGBTQIA+ não é uma novidade, tendo inclusive sido debatida com a sociedade durante os treze anos de gestão petista (2003-2016). “Já há um acúmulo. Este, inclusive, seria um dos temas da 4ª Conferência Nacional [de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais], que aconteceria em 2019, mas que não ocorreu”, mencionou a secretária, referindo-se à decisão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, em meio à pandemia da covid-19, decidiu revogar a decisão de realizar a conferência.

 

Pesquisa revela apagão de políticas públicas LGBTI+ em estados

 

Das 27 unidades da Federação, 19 não têm um plano ou programa específico para a população LGBTI+. A conclusão consta de levantamento do Programa Atenas, aliança de diversas entidades que monitora políticas públicas para essa parcela da população.

 

Políticas públicas LGBTI+ nos estados
Políticas públicas LGBTI+ nos estados - Divulgação/Programa Atena

 

Numa escala de 1 a 5, Rio de Janeiro (4,6), Mato Grosso do Sul (3,9), Espírito Santo (3,9) e Distrito Federal (3,7) conseguiram as melhores notas. As últimas posições ficaram com Acre (2,1), Tocantins (2), Roraima (1,6) e Rondônia (1,6).

 

Segundo o levantamento, 16 governos estaduais registraram nota mínima 1 em um dos seguintes quesitos: órgão gestor de política LGBTI+, conselho estadual com representantes da categoria e plano/programa específico. Em alguns estados, aponta a pesquisa, não existe estrutura para o atendimento da população.

 

Falta de direitos básicos

 

O mapeamento também analisou quesitos sobre justiça e cidadania. Segundo o projeto, direitos básicos, definidos como garantias individuais ou coletivas necessárias para cidadania da população e enfrentamento da violência LGBTI+, não são maioria significativa nas legislações estaduais. Apenas 52% das unidades da Federação têm leis para nome social de transexuais e travestis e 51% estabelecem penalidades administrativas por preconceito de sexo e orientação sexual.

 

Outras medidas são adotas em escala ainda menor. Apenas 29% das unidades da Federação proíbem financiamento público a espetáculos LGBTIfóbicos, 27% adotam identidade social para transexuais e travestis e 11% reconhecem oficialmente entidades históricas no enfrentamento da LGBTIfobia.

 

Coordenador do Programa Atena, diretor de Políticas públicas da Aliança Nacional LGBTI+ e oresidente do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+, Cláudio Nascimento, avalia que houve um apagão nas políticas públicas locais para essa parcela da população nos últimos anos. “Esses dados nos surpreenderam. Nós já esperávamos uma queda no investimento e na manutenção das políticas públicas LGBTI+, mas não um apagão, em que 16 estados têm nota mínima em um dos pilares do tripé da cidadania LGBTI+”, critica.

 

Diferenças

 

A pesquisa apontou diferenças entre os estados. Primeiro colocado no ranking geral, o Rio de Janeiro se destaca por ter um plano/programa estruturado, com 19 unidades de atendimentos à população LGBTI+ distribuídas pelo estado. O Espírito Santo apresenta fragilidades no plano/programa LGBTI+, mas tem o conselho LGBTI+ com os melhores indicadores do país.

 

Apesar de não estarem no topo do ranking, alguns estados estão bem avançados e são pioneiros em leis estaduais de promoção e defesa dos direitos da população LGBTI+, item avaliado no critério justiça e cidadania. Piauí, Pará e Paraíba se diferenciam por contemplarem diversos direitos garantidos em lei ordinária, o que dificulta retrocessos em caso de mudança de governos.

 

Os dois primeiros estados, Piauí e Pará, vão além e vedam de forma explícita, na Constituição Estadual, qualquer tipo de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Santa Catarina, Distrito Federal, Alagoas, Ceará, Sergipe e Mato Grosso estão no caminho, segundo o levantamento. A Paraíba se destaca pela obrigatoriedade de fixação de cartazes em estabelecimentos informando sobre a normativa que pune em casos de discriminação por orientação sexual.

 

Eixos

 

Ao todo, cinco eixos foram avaliados. O primeiro foi chamado de políticas matriciais, com presença de órgão gestor para coordenação geral da estrutura pública, conselho para deliberação e participação comunitária e presença de plano e programa com orçamento para implementação das políticas nas regiões do estado.

 

O segundo eixo corresponde às políticas setoriais, divididas em nove temas: segurança pública, educação, saúde, trabalho e renda, esportes e lazer, administração penitenciária, turismo, cultura, assistência social. Chamado de justiça e cidadania, o terceiro eixo analisou as legislações estaduais para avaliar a conquista de direitos e de garantias pela população LGBTI+.

 

Chamado de sistema de controle, o quarto eixo avaliou os serviços e as políticas especificas para a população LGBTI+ em órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Polícia Civil e Assembleia Legislativa. O quinto eixo baseou-se em respostas obtidas via Lei de Acesso à Informação.

 

O Programa Atena - Advocacy e monitoramento de Políticas Públicas para LGBTI+ é formado pela Aliança Nacional LGBTI+ e pelo Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+. A iniciativa tem apoio das seguintes entidades: Fórum Nacional de Gestores da Política LGBTI, Associação da Parada do Orgulho LGBT São Paulo, Rede Trans Brasil, Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras, Associação Brasileira de Estudos da Trans Homocultura, Liga Trans Masculina João W. Nery e Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat).

 

O projeto tem o financiamento do Fundo Positivo. Constituído em 2014 inicialmente para ações ligadas ao enfrentamento do HIV, o fundo capta recursos de diversas fontes financeiras. De lá para cá, o fundo ampliou a atuação e financia projetos ligados a direitos humanos, por meio de editais públicos.

 

Confira o ranking geral dos estados:


•        1° Rio de Janeiro: 4,4
•        2° Mato Grosso do Sul: 3,9
•        3° Espírito Santo: 3,9
•        4° Distrito Federal: 3,7
•        5° Ceará: 3,6
•        6° São Paulo: 3,5
•        7° Maranhão: 3,4
•        8° Piauí: 3,2
•        9° Pará: 3
•        10° Pernambuco: 2,9
•        11° Goiás: 2,9
•        12° Mato Grosso: 2,8
•        13° Sergipe: 2,7
•        14° Paraíba: 2,7
•        15° Minas Gerais: 2,6
•        16° Rio Grande do Norte: 2,6
•        17° Bahia: 2,6
•        18° Paraná: 2,5
•        19° Amapá: 2,4
•        20° Rio Grande do Sul: 2,3
•        21° Santa Catarina: 2,2
•        22° Amazonas: 2,2
•        23° Alagoas: 2,1
•        24° Acre: 2,1
•        25° Tocantins: 2
•        26° Roraima: 1,6
•        27° Rondônia: 1,6

 

Piauí fica ocupa 1° lugar em cidadania e justiça social para a população LGBT

 

A Diretora de Promoção da Cidadania LGBTQIA+/SUDH, da Secretaria da Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos, SASC, Joseane Borges, esteve em Brasília, onde recebeu menção honrosa pelos trabalhos desenvolvidos pelo Piauí pelas ações de promoção da cidadania e dos direitos humanos da população LGBT.

“Essa menção honrosa que o programa Atena nos deu foi bastante gratificante não só para mim, mas para toda a equipe que vem atuando na luta pela promoção da cidadania e dos direitos humanos da população LGBT do estado do Piauí”, destaca a Diretora de Promoção da Cidadania LGBTQIA+/SUDH-SASC, Joseane Borges.

 

A diretora avalia que agora, enquanto secretária da Assistência Social, Regina Sousa, e também o governador Rafael Fonteles contribuirão de forma mais incisiva para a promoção de ações de promoção da cidadania e dos direitos humanos. “ Estão abrindo ainda mais as portas para que a gente possa efetivar, de verdade, ações de promoção da cidadania e dos direitos humanos. Estamos buscando mais qualidade nas nossas ações e nas nossas políticas públicas, porque a gente sabe que a população LGBT, até então, viveu à margem da sociedade heterossexista, heteronormativa e racista”, completa Joseane Borges.


..............................................................................

 

Fonte: Agência Brasil

Imagem: Symmy Larrat - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Edição: Site TV Assembleia