Aumento de casos de Covid na Ásia e Europa acende alerta para o Brasil
Para especialistas, mesmo com uma cobertura vacinal acima de 70%, a alta circulação da variante ômicron e o cenário de retirada das medidas de restrição podem levar a um aumento de infecções e, consequentemente, hospitalizações e mortes pelo coronavírus.
Na China, a média móvel de novos casos na terça (15) foi quase seis vezes o número registrado há duas semanas. Na Coreia do Sul, o dobro, e o país nunca registrou tantos óbitos (230 era a média móvel naquele dia) quanto nesta semana.
A situação não é muito melhor na Europa. Suíça, Reino Unido, Áustria, Alemanha, Itália, Holanda e França têm de 27% a 83% de alta na média móvel de contaminados em relação há 14 dias.
Na Alemanha, na terça, a média móvel era de 200 mil novos casos —mais de 10 mil a mais que o recorde brasileiro (registrado em 31 de janeiro), embora a população por aqui seja mais que o dobro da alemã.
O país também enfrenta alta de óbitos: são 23% mais que há duas semanas. Isso também acontece na Suíça (38%) e na Holanda (20%), embora nesta última o ritmo de novos casos pareça começar a ceder.
No Brasil, foram registradas na última quarta (16) 354 novas mortes e mais de 44 mil casos. As médias móveis de casos e mortes estão em estabilidade e em queda, respectivamente, em relação a duas semanas atrás, de 40.335 e 345.
Mesmo assim, a retirada de muitas medidas protetoras, incluindo a desobrigação do uso de máscaras até mesmo em locais fechados, pode provocar uma nova alta de casos.
Segundo a epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin para Vacinas, Denise Garrett, o aumento de novos casos de Covid globalmente desde janeiro deixa claro que a situação não é isolada em alguns países e pode sim chegar ao Brasil.
Os casos estavam diminuindo em todo o mundo e agora voltaram a subir. Não temos bola de cristal para saber como irá se comportar nem quando a onda atingirá o Brasil, mas podemos falar com quase 100% de certeza que vai chegar
Para ela, uma preocupação adicional é que, neste momento, o país deveria estar se preparando para a chegada da nova onda, e não é o caso —ao contrário, os estados estão retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras, flexibilizando as medidas de restrição e o governo federal deseja rebaixar a condição da pandemia para uma endemia, que é quando há um número de casos e mortes conhecido e constante anualmente.
Segundo Garrett, o país não se preparou o suficiente para enfrentar mais uma onda agora, com medidas como ampliar a testagem disponível para todos, a incorporação de medicamentos para uso nos primeiros dias da infecção —como as pílulas Paxlovid, da Pfizer, e molnupiravir, da MSD— e uma campanha de comunicação para ampliar a cobertura vacinal de dose de reforço.
A mesma visão é compartilhada pela professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Ethel Maciel. "Era o momento de estudarmos com muita atenção o que está ocorrendo nos países da Europa e Ásia para antecipar problemas que podem surgir no país com uma possível nova onda, como a maior gravidade de doença em idosos que receberam o reforço há mais de cinco meses e podem estar desprotegidos", afirma.
De acordo com o epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, a alta de casos nos demais países acende um alerta para o Brasil. "A pandemia não acaba quando o governo decide retirar as medidas de restrição ou protetoras, ou porque o presidente está mirando a reeleição, ela acaba quando o vírus parar de circular, e o vírus não vai parar de circular enquanto não tomarmos as medidas adequadas", diz.
Para ele, assim como para Garrett, a discussão sobre as máscaras em locais abertos é extemporânea. "O problema não é a discussão de máscaras em locais abertos, a defesa de [desobrigar as] máscaras em locais abertos já existia desde setembro. À época, a média móvel de mortes era 150, mas não houve nenhum movimento. Agora, quando ela está em torno de 300, 400, os gestores decidem pela retirada no que, para mim, parece uma decisão eleitoreira e não baseada na ciência", afirma.
Professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da Fiocruz Bahia, Mauricio Barreto alerta que o comportamento do vírus não é algo previsível e, por isso, a retirada de medidas protetoras agora é precipitada. "No final do ano passado tivemos uma desaceleração da pandemia, e logo em seguida surgiu a ômicron. Agora, com a retirada das medidas, já podemos observar um repique inicial indicando uma leve preocupação", diz ele.
Barreto assinou junto com outros 20 pesquisadores brasileiros um artigo publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia em dezembro passado. O texto lista 13 propostas que os estados e municípios devem adotar para reforçar a vigilância epidemiológica do Sars-CoV-2.
Entre elas, a detecção de novos casos na fase inicial, o isolamento de infectados e de seus contatos e o uso de máscaras mais eficazes, além de acelerar a vacinação. De acordo com o pesquisador, apesar de as vacinas oferecerem alta proteção contra hospitalização e óbito, elas possuem eficácia reduzida contra infecções frente a variantes de preocupação, como a ômicron, e novas variantes podem ainda surgir.
"A ideia básica não é exagerar as medidas, e manter algumas delas, como o uso de máscaras, inclusive como um sinal de que ainda estamos na pandemia. Aliadas às vacinas, as máscaras são um fator importante de proteção contra infecção, e retirá-las agora é dizer que uma medida de baixo custo e altamente eficaz não é mais necessária, o que considero precipitado", diz.