Aprovada ampliação da Lei de Cotas com inclusão de quilombolas

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 26/10/2023 08h00, última modificação 25/10/2023 13h17
Critérios socioeconômicos também foram revistos

O Senado aprovou o projeto de lei que amplia o sistema de cotas na rede de ensino federal. O texto aprovado na Câmara dos Deputados foi mantido integralmente, depois de oito emendas apresentadas em plenário terem sido rejeitadas. O texto segue para sanção presidencial.

 

Entre as mudanças previstas estão a inclusão de quilombolas no texto da Lei 12.711/12, que reserva 50% das vagas em universidades e institutos federais para estudantes de escolas públicas. A metodologia também terá atualização anual nos percentuais de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, assim como nos critérios socioeconômicos, como renda familiar e estudo em escola pública.

 

Após a decisão do congresso, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, comemorou a decisão em suas redes sociais. “Que vitória a aprovação do aprimoramento da Lei de Cotas no Senado. Trabalhamos incansavelmente para defender essa política, que é a maior ação de reparação do nosso país. As cotas abrem portas e vão seguir abrindo!”

 

A matéria aprovada prevê que os critérios raciais sejam aplicados nas vagas que consideram a renda familiar e também nas vagas gerais, assim os candidatos cotistas só entrarão pela reserva de vagas se não forem aprovados nas vagas gerais.

 

Quanto aos critérios socioeconômicos, a classificação para cotistas passa a considerar estudantes em famílias com renda de até um salário mínimo por pessoa, atualmente R$ 1.320 e não mais 1,5 salário mínimo, como era anteriormente. As vagas de cota serão distribuídas entre os grupos raciais e pessoas com deficiência, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluindo os quilombolas, que passaram a fazer parte da contagem no último Censo.

 

A atualização anual dos percentuais raciais e de pessoas com deficiência recebeu uma metodologia para os próximos três anos após a divulgação do resultado do Censo. Com isso, será possível calcular a proporção de vagas gerais e das reservas que serão destinadas a pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.

 

O texto determina ainda a elaboração e divulgação de relatórios que permitam a avaliação do programa a cada dez anos.

 

Entenda

 

O projeto altera a Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012), que reserva no mínimo 50% das vagas em universidades e institutos federais para pessoas que estudaram todo o ensino médio em escolas públicas. Segundo a norma, a distribuição racial das vagas ocorre dentro desse percentual, de forma que um aluno negro que estudou o ensino médio em escola particular, por exemplo, não é beneficiado.

 

Atualmente, metade de todas as vagas para alunos oriundos de escola pública é assegurada às famílias que ganham até 1,5 salário mínimo por pessoa. Pela proposta aprovada, a renda familiar máxima será de 1 salário mínimo (que hoje corresponde a R$ 1.320) por pessoa.

 

Das vagas reservadas a estudante de escola pública, o processo seletivo observará a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência (PcD) da unidade da Federação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Caso o projeto vire lei, os quilombolas também serão beneficiados.

 

O texto prevê uma futura metodologia para atualizar anualmente os percentuais de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em relação à população de cada estado em até três anos da divulgação, pelo IBGE, dos resultados do Censo.

 

A proporção racial deve ser mantida tanto nas vagas destinadas aos egressos do ensino público de famílias com renda máxima de um salário mínimo quanto nas vagas dos estudantes de outras faixas de renda. 

 

O projeto aumenta as chances de ingresso dos cotistas raciais ao prever primeiramente a disputa pela ampla concorrência. Se o candidato não conseguir nota para aprovação nas vagas gerais, passará a concorrer às vagas reservadas.

 

A proposição também fixa avaliação do programa de cotas a cada dez anos, com a divulgação anual de relatório sobre a permanência e a conclusão dos alunos beneficiados. Os alunos optantes pela reserva de vagas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social também serão priorizados no recebimento de auxílio estudantil.  

 

O texto já havia sido aprovado nas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sendo relatado por Paulo Paim nos dois colegiados.

 

Discussão


Ao defender a aprovação do projeto, Paulo Paim disse que a proposição contribui para a formação educacional dos brasileiros.

 

— A Lei de Cotas não é atividade perpétua, é transitória. Sonho em um dia poder dizer "não precisamos mais de Lei de Cotas". Antes da Lei de Cotas, as universidades tinham apenas 6% de pobres, vulneráveis, indígenas, pretos e pessoas com deficiência. Depois que surgiram as cotas, somos mais de 40%. É o Brasil negro, indígena, deficiente se encontrando na sala de aula — disse Paim.

 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, saudou a atuação política de Paulo Paim na elaboração da Constituição de 1988 e disse que o projeto contribui para o combate ao racismo no Brasil.

 

O senador Carlos Viana (Podemos-MG) disse que “os resultados das cotas são bons e o país conseguiu trazer para o ensino superior pessoas que não tiveram ao longo da vida oportunidades que os demais tiveram”.

 

O senador Omar Aziz (PSD-AM) ressaltou que o projeto “foi relatado pela pessoa que mais tenha passado por bullying, por dificuldades para se formar, para estudar, e está aqui hoje como senador”, referindo-se a Paulo Paim.

 

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) defendeu a adoção de políticas públicas para a população negra e para “todos os povos que influíram na construção do país”.

 

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) apontou a necessidade da implantação de cotas no Brasil e a sua ampliação para vários outros setores da sociedade brasileira como forma de alcançar a igualdade no país.

 

A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) questionou “o que são dez anos da Lei de Cotas [quando comparados] a 300 anos de escravidão. “Dez anos não são suficientes para compensar o que essa população sofreu”, afirmou.

 

Também manifestaram apoio ao projeto os senadores Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), Alessandro Vieira (MDB-SE), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Flávio Arns (PSB-PR), além das senadoras Augusta Brito (PT-CE) e Leila Barros (PDT-DF).

 

Críticas


Líder da Oposição, Rogério Marinho criticou o projeto, afirmando que a renovação da política de cotas significa admitir que, "como país, somos incapazes de resolver o problema crucial da nossa nação brasileira, que é a qualidade da educação e igualdade de oportunidades para o conjunto dos brasileiros". Para o senador, a lei "divide o país".

 

— Nós não somos aqui contra essa ou aquela raça, mas acreditamos que, se tem que haver políticas de cotas, que seja a política social e econômica, e não uma política racial que distingue, que diferencia, que aparta os brasileiros. Qual é a diferença entre um branco pobre e um negro pobre? Parece-me que é a cor da pele, e isso, sem dúvida nenhuma, não é uma ação desejável para um país como o nosso, que pretende se unir.

 

Autor da emenda que alterava o projeto — e rejeitada no Plenário —, Flávio Bolsonaro questionou os resultados da lei. Citando relatório do TCU, ele afirmou que as instituições educacionais de ensino superior, inclusive as técnicas, "simplesmente não têm o acompanhamento de desempenho dos cotistas".

 

— Eu pergunto, aqui: senador Cleitinho, tem branco pobre em Minas Gerais? Senador Marcos Rogério, tem branco pobre em Rondônia? Senador Omar, tem branco pobre na Amazônia, no Amazonas, melhor dizendo? Senador Portinho, tem branco pobre no Rio de Janeiro? E o que é que impede uma pessoa de passar no vestibular? É a cor da pele ou é a situação socioeconômica dela?

 

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Fonte: Agência Brasil/Agência Senado

Imagem: Marcello Casal Jr./ABra

Edição: Site TV Assembleia