Ansiedade: psiquiatra explica o que é o transtorno e como é o tratamento
Pensamentos catastróficos, medo constante e preocupação excessiva são alguns dos sintomas de ansiedade.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o país com o maior número de ansiosos no mundo. São cerca 19 milhões de brasileiros que convivem com o trantorno, ou seja, por volta de 9% da população que chega a 213,3 milhões de pessoas.
A ansiedade também pode causar sintomas físicos, como falta de ar, tremores e tensão muscular.
Para enfrentar a doença é preciso entender como ela funciona, como diferenciar a ansiedade normal da patológica, explica o psiquiatra Marco Abud.
"Para conquistarmos uma melhora real e sustentável, o primeiro e mais importante passo é termos um plano de tratamento claro, sabendo que tipo de ansiedade existe, quais ferramentas têm a maior chance de funcionar e em quanto tempo", diz o médico.
Abud mantém o canal Saúde da Mente, no YouTube, no qual ele dá dicas e esclarece dúvidas sobre saúde mental. Nesta quinta-feira (13), ele inicia a maratona Livre da Ansiedade, que se estende até o dia 24 deste mês.
Leia abaixo a entrevista com o psiquiatra.
Como uma pessoa pode saber se está apenas passando por um período de ansiedade, por causa dos acontecimentos diários, ou se o que está sentindo já se caracteriza como um transtorno de ansiedade?
A ansiedade considerada normal é uma reação automática desagradável que ocorre quando o corpo percebe um perigo futuro. Ela é composta por sensações físicas de agitação, alerta, inquietação e pensamentos focados em ameaças, ou seja, por preocupações. O corpo alerta mais a preocupação nos deixam preparados para resolver ou fugir de problemas.
Já o transtorno de ansiedade, ou seja, a ansiedade patológica, tem o cérebro "enganado". Ele percebe o perigo onde não existe e não reconhece nossa capacidade de enfrentamento.
Nesses casos, a ansiedade torna-se um padrão, um hábito tóxico de sensações, pensamentos negativos e comportamentos de fuga que causam muito sofrimento, não permitindo que a pessoa faça suas escolhas. Além disso, faz com que ela se torne refém da ansiedade com prejuízos no trabalho, nos relacionamentos e na saúde.
Na prática, se você tem crises de ansiedade, não consegue se desligar das suas preocupações, tem medo intenso de passar vergonha e de ser julgado, tem medo de passar mal e não ter ajuda e sente que isso prejudica ou dificulta sua vida, é possível que haja um transtorno de ansiedade presente.
Tem gente que diz que é ansiosa por natureza, que não tem um transtorno. Existe isso, uma personalidade ansiosa?
Importante explicar que a ansiedade é uma reação normal e saudável para nos proteger de perigos e resolver problemas de forma eficiente. O que queremos combater é a ansiedade paralisante, presente nos transtornos de ansiedade que se mantém em um ciclo vicioso de pensamentos negativos, sensações ruins e de comportamentos de fuga.
Um passo fundamental para isso é separar o transtorno ansioso de quem você é. Um quadro de ansiedade patológica é algo relacionado ao estado atual dos seus sintomas, não uma característica da sua personalidade.
É importante dizer também que nenhum transtorno ansioso possui uma causa 100% genética. A genética pode propiciar uma sensibilidade maior ou menor a estímulos negativos, mas ser alguém mais sensível a ataques não é algo ruim, pelo contrário, pode ser algo muito vantajoso, conferindo maior responsabilidade, resolução de problemas e cuidado com os outros.
Muitas pessoas que sofrem de ansiedade, antes mesmo de procurar ajuda de um profissional da saúde mental, recorrem a meditação, ioga, florais e chás calmantes para aliviar os sintomas. O que o senhor acha dessas práticas ?
Sempre digo que o excesso de opções causa mais ansiedade do que a falta de opção. Isso é especialmente verdade em relação à sobrecarga de práticas, conselhos e terapias que a internet nos dá.
Para conquistarmos uma melhora real e sustentável, o primeiro e mais importante passo é termos um plano de tratamento claro, sabendo que tipo de ansiedade existe, quais ferramentas têm a maior chance de funcionar e em quanto tempo.
O melhor método é a prática baseada em evidência que leva em conta três fatores: evidência científica, experiência do profissional e escolha do paciente. Baseado nisso, sabemos que quadros de ansiedade leves e moderados, que não estão gerando tanto impacto na vida da pessoa, devem ser abordados com métodos não medicamentosos.
O método que possui o poder da melhora é a terapia cognitivo comportamental, um treino específico para mudar o padrão de pensamentos, sensações e comportamentos ansiosos.
Exercício físico, meditação mindfulness, mudanças alimentares, ioga, alguns fitoterápicos como passiflora, valeriana, camomila e suplementos também podem ser usados nesses casos. Normalmente, deve-se ver uma melhora significativa em cerca de 4 a 8 semanas.
Não há qualquer evidência para florais, mas eu não recomendo florais que possuam álcool, uma vez que o álcool piora a ansiedade com o tempo.
Nos casos mais intensos, crônicos e que interferem muito nas atividades diárias, é indicado o uso de medicações específicas junto com a terapia cognitivo comportamental.
Vale lembrar que essa avaliação deve ser feita por um profissional de saúde mental e que o papel do remédio é de proporcionar um alívio dos sintomas e permitir que as outras estratégias sejam implementadas.
A partir de que momento a pessoa deve procurar um profissional da saúde mental, como um psicólogo ou psiquiatra, para tratar o transtorno de ansiedade? Quais são os sinais de que a ansiedade já está prejudicando a vida dessa pessoa?
A procura deve ser feita quando a ansiedade está impedindo ou atrapalhando o trabalho, a vida social e os relacionamentos, ou quando ela não melhora ou piora mesmo fazendo os métodos não medicamentosos após 8 a 12 semanas.
O que diferencia a síndrome do pânico do transtorno de ansiedade?
A síndrome ou transtorno de pânico, que seria o nome oficial, é uma das formas como a ansiedade patológica pode se manifestar. Ela é composta por três elementos que vão aprisionando a pessoa e tirando sua capacidade de escolha:
- crises de pânico, que são crises de pavor intenso, surgem sem motivo óbvio, com muitos sintomas físicos ruins e sensação de morte iminente;
- preocupação constante em ter outras crises, com um hiperfoco nas sensações corporais;
- evitação ou mudança de comportamentos pelo medo de ter uma crise de pânico e não conseguir ajuda. A pessoa pode evitar dirigir, ir a lugares em que não há hospital, evitar sair sozinha, por exemplo.
Por causa do vaivém do agravamento da pandemia de Covid, o senhor tem notado mais pessoas com sintomas de ansiedade?
Incertezas, dilemas, segurança, saúde e finanças são os maiores gatilhos de ansiedade que existem. Isso para todo ser humano. Ou seja, se você não apresentar qualquer ansiedade nesse momento, podemos dizer que algo está muito errado. Isso é ansiedade normal, que é produtiva, nos motiva a resolver ou tirar um problema da nossa frente.
O nosso inimigo é a ansiedade patológica, tóxica, que engana o cérebro dizendo que existe perigo onde não há e que nós não damos conta de lidar com ele.
Existem dois principais combustíveis para esse tipo de ansiedade:
- pensamentos catastróficos, por exemplo, "vai ser horrível e não vou dar conta" ou "e se eu pegar este avião e ele cair?";
- comportamentos de fuga, evitação e distração, que na ansiedade normal podem surgir como "não sei se minha mãe tomou a terceira dose da vacina. E se ela pegar Covid? Preciso anotar na agenda para checar isso assim que chegar em casa". Já na ansiedade patológica surgem como "será que minha mãe tomou a terceira dose? Que péssima filha eu sou, tinha que ter visto isso. Eu sempre faço besteira. Com certeza ela vai pegar Covid e a culpa vai ser minha. Já sei o que meu irmão vai falar. Nossa, estou suando muito. Que falta de ar é essa? Não, não posso começar a passar mal aqui na frente de todo mundo, tenho que sair agora."