Alerta: risco de morte por consumo em excesso de cloreto de sódio

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 19/07/2022 13h20, última modificação 19/07/2022 12h52
Pesquisas mostram novas complicações ligadas ao excesso da ingestão de cloreto de sódio, o composto mais usado para temperar alimentos.

A expressão "sem sal" remete a algo insosso e sem graça. Mas, se é verdade que esse nutriente deixa a comida mais saborosa, em excesso ele pode causar sérios problemas de saúde. Enquanto a associação do cloreto de sódio com males cardiovasculares está bem estabelecida, também há evidências científicas da sua associação com câncer, osteoporose e doença renal crônica. Recentemente, um estudo com dados de mais de 501 mil pessoas demonstrou uma relação estatística entre uma quantidade maior do nutriente à mesa com o risco de morte prematura (antes dos 75 anos) por qualquer causa.


A pesquisa foi publicada no European Heart Journal e conduzida pela Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos. Os dados demonstraram que, em comparação às pessoas que nunca ou raramente adicionavam sal à comida — previamente temperada no preparo —, as que colocavam uma porção extra apresentaram risco 28% maior de morrer prematuramente. O professor Lu Qi, principal autor, alerta que, em termos populacionais, o hábito pode matar um em cada 100 pessoas na faixa dos 40 a 69 anos.

 

"Até onde eu sei, esse é o primeiro estudo a avaliar a associação entre a adição de sal aos alimentos e a morte prematura", ressalta Qi. "Os resultados fornecem novas evidências para apoiar as recomendações sobre modificação de comportamentos alimentares para melhorar a saúde. Mesmo uma redução modesta na ingestão de sódio, adicionando menos ou nenhum sal aos alimentos à mesa, provavelmente resultará em benefícios substanciais para a saúde", observa.

 

Os dados, coletados de um grande estudo populacional britânico, incluíram informações de 501.379 pessoas. Ao entrarem na pesquisa, entre 2006 e 2010, elas foram questionadas sobre a frequência da adição do sal à comida já temperada: nunca/raramente, às vezes ou sempre. Para determinar a influência específica do nutriente no risco de morte precoce, os pesquisadores ajustaram a análise, levando em conta fatores como idade, sexo, índice de massa corporal, tabagismo, ingestão de álcool, nível de atividade física, hábitos dietéticos e comorbidades, como diabetes, câncer e doenças cardiovasculares. Os voluntários foram acompanhados, em média, por nove anos.

 

Além de descobrir que adicionar sal aos alimentos estava associado a um risco maior de morte prematura por todas as causas e a uma redução na expectativa de vida (1,5 ano para homens e 2,28 anos para mulheres), os pesquisadores concluíram que ele tendia a ser ligeiramente reduzido em pessoas que consumiam as maiores quantidades de frutas e vegetais. "Não ficamos surpresos com essa descoberta, pois frutas e vegetais são as principais fontes de potássio, que tem efeitos protetores e está associado a um menor risco de morte prematura", diz Qi.

 

De acordo com o pesquisador, avaliar a ingestão geral de sódio é muito difícil, pois muitos alimentos, principalmente os pré-preparados e processados, têm altos níveis do elemento adicionados antes de chegarem à mesa. Os estudos que investigam a ingestão de sal por meio de exames de urina geralmente consideram apenas uma amostra e, de acordo com Qi, "não refletem necessariamente o comportamento usual".

 

Por isso, os cientistas optaram por verificar se as pessoas adicionavam ou não sal aos alimentos, independentemente de o tempero ter sido colocado durante o cozimento. "Na dieta ocidental, a adição de sal à mesa representa de 6% a 20% da ingestão total de sódio e fornece uma maneira única de avaliar a associação entre a ingestão habitual deste elemento e o risco de morte. Mas, como nosso estudo é o primeiro a relatar uma relação entre a adição de sal aos alimentos e a mortalidade, são necessárias mais análises para validar as descobertas antes de fazer recomendações", reconhece.

 

O estudo é observacional, ou seja, não faz uma relação entre causa e efeito. Contudo, diversas pesquisas encontraram a associação entre excesso de sal e riscos de danos à saúde. Uma delas, publicada na revista Archives of Internal Medicine, descobriu que pessoas em dietas ricas em sódio e com baixo teor de potássio têm uma probabilidade 20% maior de morrer por qualquer causa. Além disso, aquelas com a proporção mais alta de sódio para potássio na alimentação apresentam o dobro de risco de morrer por ataque cardíaco. "O sódio e o potássio estão intimamente próximos, mas têm efeitos contrários no organismo", esclarece o autor correspondente do estudo, Quanhe Yang, da divisão de prevenção de derrame e doença cardiológica dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. "Ambos são nutrientes essenciais, que podem desempenhar papéis centrais na manutenção do balanço fisiológico e ambos já foram associados ao risco de doenças crônicas. O excesso de consumo de sal aumenta a pressão arterial, que pode levar a doenças cardiovasculares, enquanto o alto consumo de potássio pode ajudar a relaxar os vasos sanguíneos e a excretar o sódio, baixando a pressão."

 

Segundo Lu Qi, além da relação com doenças cardiovasculares, devido ao aumento da pressão arterial, o excesso de sódio já foi associado a outras alterações que podem levar ao desenvolvimento de enfermidades diversas. "Há muitos estudos sugerindo a relação entre o sal e a inflamação crônica e outros padrões que podem afetar o risco de câncer, como a promoção da proliferação de células", diz. Agora, ele pretende aprofundar as análises sobre a associação entre o ingrediente e vários males crônicos, como diabetes. Também está no foco do cientista um teste clínico para verificar se a redução do nutriente pode melhorar diversos aspectos da saúde.

 

Alerta global

Perigo para hipertensos

 

"O sódio é um nutriente essencial, mas a necessidade que temos dele é muito baixa, cerca de 0,5g por dia — exceto em temperaturas muito quentes, onde grandes quantidades de suor podem levar ao aumento das perdas do mineral. Pesquisas anteriores mostraram que o benefício da redução de sal é maior em pessoas com pressão arterial elevada e com idade superior a 50 anos. O Japão costumava ter uma prevalência muito alta de pressão alta e taxas elevadas de acidente vascular cerebral (AVC). Eles tomaram medidas para reduzir a ingestão de sal na década de 1970 e, agora, têm taxas muito mais baixas. O AVC continua sendo um grande assassino na China, que ainda tem uma ingestão muito alta de sal devido ao uso extensivo de molho de soja, que, normalmente, contém cerca de 20% de sal em peso, bem como muitos alimentos em conserva. Por isso, é sensato aconselhar as pessoas a restringirem a adição de sal aos alimentos."

Tom Sanders, professor de nutrição e dietética do King´s College de Londres

 

Dessalgando o paladar

 

Apesar das evidências dos malefícios do excesso de sal para a saúde, não é fácil restringir o consumo, pois ele é um dos temperos mais usados no mundo. "Uma das principais barreiras para manter uma dieta com baixo teor de sódio é que as pessoas não gostam do sabor da comida sem sal", destaca Misook Chung, pesquisadora de enfermagem e nutrição da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos.

 

No mês passado, durante o Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, Chung apresentou um estudo mostrando que uma intervenção de adaptação do paladar pode ajudar a diminuir a ingestão do sódio sem influenciar no prazer de comer. "Nosso estudo piloto em pacientes com pressão alta mostra que é possível mudar a percepção do paladar e aprender a gostar de alimentos com menos sal", diz. A hipertensão afeta mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo e é a principal causa global de morte prematura.

 

Os pesquisadores desenvolveram o Programa de Vigilantes de Sódio para ajudar os participantes a se adaptarem gradualmente a alimentos com baixo teor de sal. Vinte e nove adultos com hipertensão foram divididos em grupos, aleatoriamente. Parte recebeu o tratamento habitual, com conselhos dietéticos e prescrição de medicamentos. A outra entrou na intervenção educativa de 16 semanas, sendo acompanhada por uma enfermeira por videochamadas.

 

As sessões foram realizadas semanalmente, durante um mês e meio, passando para uma vez em 15 dias nas 10 semanas seguintes. Os participantes receberam um dispositivo eletrônico que detecta o teor de sal para que pudessem identificar e evitar alimentos com alto teor do ingrediente. "Um dos primeiros passos foi os pacientes perceberem quanto sal estavam comendo. Usando o dispositivo eletrônico, eles poderiam testar o teor de sal das refeições do restaurante e pedir ao chef para reduzir ou eliminar o sal na próxima visita. Em três semanas, a maioria dos participantes removeu o saleiro da mesa", revela Chung.

 

Todos os participantes que entraram no grupo da intervenção forneceram uma amostra de urina a cada 24 horas para avaliar a ingestão de sódio e mediram a pressão arterial. Além disso, a preferência por alimentos salgados e o prazer de uma dieta com restrição de sal foram avaliados em uma escala de 10 pontos. Segundo Chung, a redução gradativa do nutriente levou "a uma diminuição significativa na ingestão de sódio e aumentou o prazer da dieta restrita em sal".

 

A pesquisa mostrou que a ingestão de sódio caiu 1.158mg por dia, o que representou uma redução de 30% em relação ao início do programa. Enquanto isso, no grupo controle, houve acréscimo de 500mg no consumo por dia. "O prazer de uma dieta com baixo teor de sal aumentou no grupo de intervenção, de 4,8 para 6,5 em uma escala de 10 pontos, embora os pacientes ainda preferirem alimentos salgados", destaca a pesquisadora. (PO)

 

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Fonte: Correio Brasiliense

Imagem: Sukhjinder/PixaHive/Divulgação

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