Acelerar vacinação pode evitar 430 mortes de crianças de 5 a 11 anos até abril, diz estudo
Essa projeção faz parte de um estudo inédito realizado pelo grupo de modelagem da dinâmica de transmissão do coronavírus no Brasil, que inclui pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), da UFG (Universidade Federal de Goiás), da USP (Universidade de São Paulo), da Unesp (Universidade Estadual Paulista), da UFABC (Universidade Federal do ABC) e do Observatório Covid-19 BR.
Na população geral, a vacinação mais rápida também causaria benefício. De acordo com a projeção, teria o efeito de impedir cerca de 14 mil hospitalizações e mais de 3.000 óbitos pela doença em todas as faixas etárias no mesmo período.
No estudo, os pesquisadores fizeram uma modelagem matemática para estimar quantas mortes e hospitalizações seriam evitáveis em três cenários distintos: um cenário sem vacinação infantil (hipotético), o cenário atual de ritmo lento, e o cenário ideal ou acelerado de aplicação de doses.
O cenário ideal considera outras campanhas de vacinação infantil do PNI (Programa Nacional de Imunizações), que já atingiu a aplicação de 1 milhão de doses por dia.
Os impactos diretos e indiretos da imunização infantil foram considerados em um período de três meses após o início da vacinação, ou seja, de janeiro a abril.
No ritmo atual, a campanha de vacinação nas crianças tem o potencial de evitar 5.718 hospitalizações e 1.092 óbitos, com intervalo de confiança de 95%.
Quando separadas as faixas etárias, o ritmo atual de imunização infantil deve impedir 2.367 hospitalizações e 182 mortes por Covid nas crianças de 5 a 11 anos.
No Brasil, desde o início da pandemia até o dia 7 de fevereiro foram registradas 6.877 hospitalizações e 308 mortes por Covid em crianças.
No estudo, o modelo analisa a "chance de passagem" de uma categoria para as demais, segundo a classificação: suscetíveis (pessoas que ainda não receberam a vacina), expostos e transmissíveis (pessoas na fase infecciosa da doença), assintomáticos, sintomáticos leves, hospitalizados, recuperados e óbitos.
A chance de uma pessoa de uma categoria passar para outra é calculada considerando cada um dos cenários acima e parâmetros como o tipo de vacina (foram consideradas Pfizer, AstraZeneca e Coronavac) e o esquema vacinal (uma dose, duas doses ou três doses).
O ritmo considerado ideal não é uma realidade distante, de um país de primeiro mundo, afirma Roberto Kraenkel, físico e pesquisador do Observatório Covid-19 BR.
"Se tivéssemos a vacinação no ritmo aceitável a quantidade de mortes por Covid que poderiam ser evitadas até abril é da mesma ordem de grandeza do total de crianças que morreram nessa faixa etária desde 2020, o que indica que deveria, sim, haver uma aceleração", diz.
Além da proteção direta nos pequenos, acelerar o ritmo da vacinação infantil traz benefícios do ponto de vista de controle da situação epidemiológica em todas as faixas etárias.
"A sociedade não é separada, as pessoas de diferentes idades têm contato entre si e em particular nas crianças de 5 a 11 anos, embora a letalidade seja muito baixa, ela não é zero. Mas, para adultos acima de 60 anos, a possibilidade de hospitalização e óbito é muito maior, e essas pessoas têm contato direto com as crianças. São pais, avós, professores", explica Kraenkel.
Para Kraenkel, o modelo consegue demonstrar exatamente esse bloqueio na transmissão.
"O modelo é capaz de mostrar quantas pessoas de outras faixas etárias estão sendo protegidas indiretamente pela vacinação infantil porque há um corte na cadeia de transmissão de vírus", diz. "Em suma, é 'vacinem os seus filhos para proteger o vovô'."
Cristiana Toscano, coordenadora do grupo e representante da Sociedade Brasileira de Imunizações em Goiás, reforça que, no início da pandemia, em uma sociedade ainda completamente suscetível e com a forma ancestral do Sars-CoV-2, as crianças de fato não tinham um papel tão importante assim na transmissão do vírus.
"Quando avançamos na proteção da população, o que aconteceu é o que estamos vivenciando agora: uma parcela ainda dos adolescentes parcialmente vulnerável, porque não tomou as duas doses, e as crianças mais jovens com um grande contingente ainda suscetível [apenas 23% das crianças tomaram a primeira dose no país]. Então a transmissão nessa faixa etária passa a ser muito maior", afirma.
Toscano lembra que, embora proporcionalmente o número de hospitalizações e óbitos nas faixas etárias mais jovens não seja tão alto se comparado ao dos mais velhos, em números absolutos, quando se tem uma grande quantidade de pessoas adoecendo com a variante ômicron, isso acaba sendo um agravante mesmo para crianças e adolescentes.
"Esse entendimento é importante para tomar a decisão e orientar os pais em relação a vacinar os seus filhos", afirma.
Para ela, a situação da pandemia trouxe consigo um novo tipo de hesitação vacinal, diferente do observado em outros momentos do PNI.
"Isso ocorre principalmente em função do contexto de grande circulação de desinformação e de dados conflitantes", avalia.
O problema poderia ser contornado se houvesse uma coordenação nacional da campanha de vacinação infantil, o que não foi feito até agora, na visão da pesquisadora.
"No momento inicial, um dos gargalos foi a falta de doses, mas hoje há municípios com doses paradas. O ministério [da Saúde] vai dizer que não há dificuldades, que as doses estão sobrando, mas nós sabemos que dentre os fatores que estão hoje influenciando a baixa cobertura vacinal estão a insegurança e o desconhecimento [da importância de vacinar as crianças] pela falta de uma estratégia organizada, baseada em evidências, com divulgação nacional", diz.