O que precisa melhorar nas políticas públicas de saúde mental
(Saúde Abril) - A pandemia fez transbordar um problema que já estava em ponto de ebulição e diante do qual o Brasil pouco avançou — em alguns sentidos, regrediu — nos últimos anos: a atenção à saúde mental.
Pois um roteiro para iluminar o que exige mudanças foi publicado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto Cactus. No relatório Cenário das Políticas e Programas Nacionais de Saúde Mental, a análise de índices e ações do governo em esferas como atenção primária e hospitalar demonstra que é imperioso rever a concepção e a adoção de uma série de medidas.
“Precisamos implementar uma cultura de monitoramento das políticas de saúde mental para garantir maior qualidade nos serviços e aprimorar a tomada de decisões e a alocação de recursos, além de valorizar e capacitar os profissionais que interagem com pessoas em sofrimento mental e avançar com a reforma psiquiátrica”, elenca Maria Fernanda Quartiero, diretora-presidente do Instituto Cactus.
A Lei da Reforma Psiquiátrica, que guia o modelo assistencial de saúde mental no país, tem mais de 20 anos. Mas nem todas as propostas saíram a contento do papel
“Outra prioridade é a reinserção social de pessoas que passaram muito tempo internadas em hospitais e saem de lá sem vínculos e socialmente vulneráveis. Na verdade, a ampliação de toda a Rede de Atenção Psicossocial do SUS é urgente”, ressalta Dayana Rosa, pesquisadora do IEPS.
Pontos críticos
Prioridades destacadas pelo novo documento do IEPS e do Instituto Cactus:
Apagão de dados atualizados e de qualidade
Segundo o relatório, esse é um dos problemas centrais. Sem informações e números confiáveis dos serviços públicos de saúde mental, fica difícil avaliar o resultado das medidas incorporadas, revisar propostas e alocar direito recursos, tantas vezes limitados. O monitoramento tem de melhorar — e muito.
Insuficiência de programas focados no ambiente escolar
A conscientização sobre desafios emocionais e transtornos psiquiátricos precisa começar cedo, ainda na escola. Sobretudo num contexto pós-pandemia, com repercussões resultantes do isolamento social e do ensino remoto. Trabalhos em sala de aula e na comunidade são vitais para ajudar a prevenir gatilhos e manifestações de quadros como ansiedade e depressão.
Falta de investimento e desigualdade na distribuição
Além da verba restrita, há a questão de onde o dinheiro é aplicado. Segundo o documento, entre 2017 e 2021, 13 estados estavam sem uma Unidade de Acolhimento para pacientes em sofrimento mental. Por outro lado, comunidades terapêuticas, em geral gerenciadas por igrejas, receberam um aumento no investimento de mais de 100 milhões de reais nos últimos três anos.
Retrocesso na desinstitucionalização de pacientes
Desinternar pessoas com transtorno mental e ajudá-las a se reintegrar à sociedade é uma das premissas da psiquiatria moderna. Mas o governo publicou uma portaria que acaba com o Programa de Desinstitucionalização — até então, mais de 6 mil brasileiros moravam em Serviços Residenciais Terapêuticos. A medida não prevê o que fazer com as pessoas que eram assistidas pelo projeto.
Negligência aos brasileiros em situação de rua
Estimativas apontam que a população vivendo nas ruas do país era de 101 mil pessoas em 2017, e esse número saltou para mais de 221 mil em 2020. Num cenário de instabilidade econômica e índices significativos de desemprego, essa questão não pode ser mais escanteada. Em sete anos, porém, apenas 33 Equipes de Consultório na Rua foram mobilizadas pelo Brasil.
Carência de um olhar para a população privada de liberdade
O relatório argumenta que o Ministério da Saúde não fornece dados sobre os Hospitais Psiquiátricos de Tratamento e Custódia, que atendem presos — eles ficam confinados ao Departamento Penitenciário Nacional. Não se sabe, assim, quantas pessoas estão na cadeia por terem cometido crime devido a um transtorno mental ou que podem desenvolvê–lo após a prisão.
Fonte: Saúde Abril
Imagem: OsakaWayne/Getty Images