Laboratório alega falha humana em resultados errados de testes de HIV

por Antônio Luiz Moreira Bezerra publicado 15/10/2024 08h15, última modificação 15/10/2024 08h14
PCS Lab Saleme diz que não há esquema criminoso para forjar exames

Um dos sócios do laboratório PCS Lab Saleme, Walter Viera, preso após pacientes terem sido infectados por HIV após transplantes no Rio de Janeiro, afirmou em depoimento à polícia que o resultado preliminar feito pela sindicância interna do laboratório aponta indícios de falha humana na transcrição dos resultados de dois testes de HIV.

 

O laboratório é investigado por ter emitido laudos que diziam que os dois doadores não tinham HIV, quanto na verdade eram positivos para o vírus. Isso levou à infecção por HIV de seis pessoas que receberam os órgãos.

 

Em nota divulgada nesta segunda-feira (14), o PCS Lab Saleme, que após o ocorrido abriu uma sindicância interna, diz que há indícios de falha humana e afirma que não há nenhum esquema criminoso para forjar resultados.

 

A nota diz que a defesa de Walter Viera e de Mateus Vieira, que também é sócio do laboratório, “repudia com veemência a insinuação de que existiria um esquema criminoso para forjar laudos no laboratório, que atua no mercado desde 1969. A defesa confia que, após os esclarecimentos prestados por Walter, a Justiça entenderá desnecessário mantê-lo preso”, diz o texto.

 

O laboratório diz ainda que Matheus Vieira apresentou-se de maneira voluntária à polícia e foi liberado. “Ele assegurou às autoridades que irá depor quando sua defesa tiver acesso integral aos autos da investigação”.

 

A nota também diz que Jacqueline Iris Bacellar de Assis, cuja assinatura aparece em um dos laudos, “apresentou documentação inidônea (diploma de biomédica e carteira profissional com habilitação em patologia), induzindo o laboratório a crer que ela tinha competência para assinar laudos”.

 

O advogado de Jacqueline foi procurado, mas não retornou o contato da Agência Brasil até a publicação da reportagem.

 

O PCS Lab Saleme, ressaltou que, nos últimos 12 meses, realizou mais de 3 milhões de exames e que, desde 1º de dezembro, quando começou a prestar serviços à Fundação Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro, comprou pelo menos 900 testes para diagnóstico de HIV em amostras de sangue de doadores de órgãos, seguindo recomendação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

O laboratório também reafirmou que dará o suporte necessário às vítimas “assim que tiver acesso oficial à identidade delas; e que está à disposição das autoridades que investigam o caso”.

 

Caso sem precedentes

 

O caso, sem precedentes, é considerado grave pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) e pelo Ministério da Saúde. A Polícia Civil e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) investigam as circunstâncias em que ocorreram as infecções.

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as Vigilâncias Sanitárias estadual e municipal e o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde coordenam uma série de ações para investigar a infecção por HIV de pacientes transplantados no estado do Rio de Janeiro.

 

O PCS Lab Saleme foi interditado pela Vigilância Sanitária local, com orientação técnica da Anvisa, até a conclusão das investigações, com foco na segurança dos transplantes. Novos exames pré-transplante estão sendo realizados no Hemorio.

 

O laboratório teve pelo menos três contratos com a Fundação Saúde. A fundação, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde, é responsável por gerir as unidades da rede estadual. O laboratório tem, entre seus sócios, familiares do deputado federal Dr. Luizinho (PP-RJ), que foi secretário estadual de Saúde de janeiro a setembro de 2023.

 

Em nota divulgada por sua assessoria na última sexta-feira (11), o parlamentar disse que quando era secretário jamais participou da escolha deste ou de qualquer laboratório.

 

O que aconteceu

 

Pacientes que receberam órgãos transplantados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio de Janeiro foram infectados por HIV. As informações foram confirmadas pela Secretaria de Estado de Saúde (SES). Segundo as SES, o caso é "sem precedentes e inadmissível". 

 

A Secretaria e o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) informaram que abriram sindicâncias para identificar e punir os responsáveis. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil abriram inquéritos para investigar o caso.

 

Tanto a SES quanto o Ministério da Saúde reforçaram a segurança de toda a rede que envolve a realização de transplante no país. Segundo a pasta, o Sistema Nacional de Transplantes é reconhecido como um dos mais transparentes, seguros e consolidados do mundo. “Existem normas rigorosas que visam proteger tanto os doadores quanto os receptores, garantindo que os transplantes realizados no país mantenham um alto nível de confiabilidade”, afirma o ministério em nota.

 

O Sistema Nacional de Transplantes é considerado o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo. Ele é garantido a toda a população por meio do SUS, que, por sua vez, é responsável pelo financiamento de cerca de 88% dos transplantes no país, segundo dados do Ministério da Saúde.

Laboratório privado

 

As infecções ocorreram após testes feitos por um laboratório privado, o PCS. O laboratório foi contratado pela Fundação Saúde, sob a responsabilidade da SES para atendimento ao programa de transplantes no estado, não acusarem a presença do vírus. O PCS teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente, de acordo com a Secretaria. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.

 

O Ministério da Saúde determinou a instalação de auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS no sistema de transplante do Rio de Janeiro, e a apuração de eventuais irregularidades na contratação do referido laboratório, dentre outras providencias.

 

Situação gravíssima

 

A SES afirma, em nota que esta é uma situação sem precedentes. “O serviço de transplantes no estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas”, diz o texto.

 

A Secretaria informou que abriu sindicância “para identificar e punir os responsáveis”. Foi também criada uma comissão multidisciplinar para acolher os pacientes afetados e que, imediatamente, “foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados”.

 

A Secretaria está rastreando, com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório.

 

O Cremerj disse, também em nota, que considera a situação gravíssima e que instaurou sindicância, nesta sexta-feira (11), para apurar as denúncias. “A situação é gravíssima e o Cremerj reafirma seu compromisso de apurar os fatos com todo o rigor. A segurança dos pacientes é fundamental para garantir o bom exercício da medicina no estado do Rio de Janeiro e supostas falhas desse tipo são inaceitáveis”, disse na nota o presidente do Cremerj, Walter Palis.

Investigações

 

O MPRJ, por meio da 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, instaurou um inquérito civil para investigar o caso. Segundo o órgão, o procedimento está sob sigilo.

 

 O MPRJ informou, ainda, que se colocou à disposição para ouvir as famílias afetadas, receber denúncias de quem se sentir lesado e prestar atendimento individualizado às partes envolvidas.

 

A Polícia Civil também determinou a instauração de inquérito para apurar o ocorrido. Segundo o órgão, a investigação já está em andamento.

Sindicância interna

 

Em nota, o laboratório PCS Lab afirmou que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados e assegurou que se trata de um episódio "sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969". 

 

O laboratório diz ainda que informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado.

 

Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

"O PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso", diz o laboratório.  

 

Fonte: Agência Brasil - Imagem: Fernando Frazão/ABra

Edição: Site Rádio Assembleia