TDAH: transtorno rotula pacientes com desinformação e preconceito
Distúrbio neurobiológico crônico, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é percebido quando há quadros de desatenção, desassossego e impulsividade. São indícios que devem obrigatoriamente apresentar-se na infância (o problema é observado entre 3% e 5% das crianças em idade escolar, com predominância entre os meninos), mas podem perdurar por toda a vida, ainda mais quando não são reconhecidos e tratados de maneira adequada.
As crianças que manifestam o transtorno têm limitações para estabelecer o foco em atividades propostas, além de agitação motora. São traços da síndrome que podem influenciar negativamente o aproveitamento escolar, além de motivo para depreciação dos portadores, muitas vezes rotulados de forma preconceituosa. Estigmas que cercam a doença, principalmente diante de tanta desinformação que circula nos meios de comunicação, muito mais na internet, e que acabam não correspondendo ao real potencial psicopedagógico dessas crianças.
Em entrevista, a psiquiatra Maria Francisca Mauro esclarece dúvidas sobre o assunto:
O que é o TDAH?
O TDAH é um transtorno mental com suas primeiras descrições clínicas ainda no século 18. Em 1775, um médico alemão chamado Melchior Adam Weijard fez o primeiro livro descrevendo os sintomas do TDAH. Os primeiros consensos aconteceram há 20 anos e, desde a criação desses critérios, observou-se que o problema pode ser diagnosticado por um médico licenciado, ou seja, um psiquiatra, que tenha um refinamento técnico para estabelecer o acesso ao quadro mental que pode sofrer alteração, quando há o TDAH. Portanto, é um quadro que tem sintomas definidos desde 1970. Os critérios para diagnóstico partem da percepção sobre de desatenção, hiperatividade ou ambos. Em todo caso, a persistência desses sintomas deve ocorrer, pelo menos, ao longo de seis meses.
Qual é a causa do TDAH? Existe um fator genético?
Mais que a origem genética para a presença do TDAH em alguns grupos familiares, também se evidencia a exposição a algumas substâncias tóxicas durante a gravidez, além de deficiências nutricionais, ou ambientes estressores na infância, quando acontece a dificuldade de manejo de comportamento, o que pode favorecer o surgimento desse transtorno mental.
Quais são os sintomas/características desse transtorno?
A apresentação clínica dos sintomas pode ocorrer, em especial, na infância e na fase de desenvolvimento, nas quais observa-se mudanças de comportamento no âmbito do rendimento escolar, na própria rotina da criança em casa, no núcleo de desatenção, com dificuldade para que se tenha um rendimento acadêmico ou mesmo para que o portador desenvolva suas atividades do dia a dia.
Também há outros quadros em que o paciente apresenta um excesso de excitabilidade, uma hiperatividade, uma dificuldade relacionada a ficar sentado, com pernas mais inquietas, com um comportamento que pode ser mais opositivo, ou seja, mais desafiador e uma inquietação constante.
Como é feito o diagnóstico?
Para o diagnóstico, é necessário observar a presença de sintomas em casa, na escola e em ambientes sociais, portanto, acontece quando essas disfunções se manifestam em mais de um cenário da vida. O diagnóstico é feito, em especial, a partir da observância desses comportamentos em uma fase mais precoce da vida e há influências genéticas - é importante verificar a presença de outras pessoas na família que tenham o diagnóstico.
Outro ponto importante é que o diagnóstico na fase adulta pode ocorrer devido, ao longo da vida, à manifestação de sintomas de instabilidade e de comportamento social que se enquadrem nos sintomas da doença. Portanto, precisa-se observar, quando feito na vida adulta, que houve um prejuízo ao decorrer do tempo, pois, quando verificamos, os primeiros sintomas surgiram no fim da infância ou no início da adolescência.
Quando vamos realizar o diagnóstico, primeiro precisamos estabelecer qual é a idade daquela avaliação, se é em crianças, em adolescentes, se está se observando algum prejuízo na escola ou no relacionamento da criança com outros colegas, ou em casa.
Portanto, é um diagnóstico - principalmente quando realizado nessa fase da vida - que exige uma comunicação entre os pais, a escola e com outras pessoas que convivam com a criança. O principal sinal pode ser de inatenção, ou seja, como se a pessoa vivesse no mundo da lua, com dificuldade para manter o raciocínio em uma conversa, tendo dificuldade de estabelecer uma atenção sustentada no que está fazendo, tornando-a mais intolerante para sentar e estudar ou realizar outras atividades que demandam maior foco.
Também pode-se observar comportamentos no núcleo da hiperatividade. Nesse aspecto, uma criança que se machuca constantemente pode começar a ter um comportamento mais opositivo, ou seja, maior agressividade no sentido de se opor aos pais e à escola.
Então, estes sintomas podem ir configurando que essa criança tem problemas de comportamento que precisam ser avaliados em diferentes cenários, mediante a sua evolução, com no mínimo seis meses de tempo dos sintomas e avaliações para que se estabeleça o diagnóstico.
Em seguida, esse diagnóstico se dá através de uma avaliação clínica com um médico capacitado, pois não existe um exame complementar, como uma tomografia, uma ressonância magnética de cérebro, um exame de sangue ou mesmo uma testagem neuropsicológica - logo, é necessário uma avaliação clínica criteriosa.
Quando o diagnóstico é feito já na vida adulta, ou seja, a partir da segunda ou terceira década de vida, ou feito em uma idade mais avançada, a partir da quarta década, é necessário verificar o histórico escolar, histórico acadêmico, o envolvimento em situações com exposição ao risco, se há histórico de acidentes de trânsito, de lesões, envolvimento com esportes radicais, passagens pela polícia e delinquência, devido a essa maior inquietude, essa oposição e mesmo dificuldade de envolvimento em atividades que requerem atenção e desenvolvimento.
Outro ponto importante é o uso de substâncias, o que pode acontecer em pacientes com diagnóstico tardio. Ao estabelecer uma avaliação clínica retroativa, ou seja, de apuração dos sintomas, pode-se identificar que houve uma busca de tratamento com uso de substâncias para amenizar os sintomas.
Qual é o tratamento indicado?
O tratamento indicado é através do uso de medicamentos, como psicoestimulantes, que podem amenizar os sintomas de quem sofre com TDAH. Também é indicada a associação de psicoterapia para manejo dos sintomas. Podem ocorrer outras comorbidades psiquiátricas, como depressão, uso de substâncias ou mesmo ansiedade, logo, é essencial o estabelecimento criterioso do diagnóstico para uma programação precisa que impacte na qualidade de vida daquela pessoa.
A pessoa já nasce com o TDAH ou pode desenvolver ao longo da vida?
A pessoa pode ser suscetível ao TDAH. É um transtorno mental em que avalia-se o neurodesenvolvimento, ou seja, a pessoa tem um cérebro mais suscetível, mais influenciável - sob o ponto de vista genético, de substâncias às quais foi exposto durante a gravidez, algumas doenças ao longo da gestação, no início da infância ou convivência em ambientes com mais pressão, mais estressantes, que podem influenciar na abertura ou no avanço do quadro.
Precisamos entender que a sintomatologia acontece principalmente ao final da primeira infância, entre 7 a 10 anos e no início da adolescência. Então, quando fazemos este diagnóstico ao longo da vida, a partir da segunda, terceira ou quarta década, precisamos fazer uma diagnóstico diferenciado e preciso, para ser possível verificar se realmente estamos lidando com uma pessoa que já tinha sintomas nessa fase, pois é quando ocorre a abertura desses quadros e, a partir disso, estabelecer o diagnóstico.
TDAH em pauta
No e-book É TDAH? E agora? a psicóloga e neuropsicóloga Bianca Lima Pereira fala sobre o problema que, segunda ela, nem sempre é compreendido. E o objetivo da obra é justamente esclarecer de maneira simples e didática como são as características dessa síndrome, assim como suas formas de tratamento. "Embora o TDAH seja do conhecimento de muitas pessoas, ainda percebe-se uma ausência de informações adequadas, seja no contexto escolar, familiar, no trabalho, na faculdade ou até mesmo no processo de autoconhecimento do próprio paciente", pontua a profissional.
Estão elencadas as formas para guiar a busca do diagnóstico correto. O primeiro passo, conforme Bianca, é fazer uma investigação completa com uma equipe capacitada para isso. "Você pode se informar sobre o transtorno em fontes confiáveis, suas formas de tratamento, intervenções medicamentosas e, ainda, sobre outros transtornos da esfera psicológica que podem estar associados ao TDAH", orienta.
Além do diagnóstico, o e-book discute todas as defasagens apresentadas pelas crianças e adolescentes com TDAH e as estratégias de enfrentamento à doença que poderão ser implantadas em casa e na escola. "Já nos adultos, compreende-se melhor o transtorno quando se conhecem os sintomas que ele provavelmente já apresentava desde a sua infância, e muitos deles são consequência da falta de intervenções adequadas e ao aparecimento de outros problemas emocionais", continua a psicóloga. Assim, a publicação também dirige atenção especial a esses aspectos sintomáticos e às outras doenças mentais que podem estar associadas ao TDAH.
"Os adultos que convivem com o transtorno podem aprender estratégias mais funcionais para lidar com as dificuldades acadêmicas, profissionais, sociais e afetivas ocasionadas pelo TDAH", diz Bianca. Ela reforça que a carência de conhecimentos sobre a síndrome, muitas vezes origina ações inapropriadas para com o paciente, acarretando ainda mais frustrações. "Espero que o leitor aprenda maneiras mais assertivas de lidar com o TDAH, seja você mesmo, seu filho, um amigo, o cônjuge", convida à leitura Bianca.
Saiba mais
O transtorno de déficit de atenção e Hiperatividade (TDAH) é classificado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5° edição (DSM-5) como um transtorno do neurodesenvolvimento, uma condição que se inicia na infância e tem um impacto importante no funcionamento cognitivo, emocional, acadêmico e social do indivíduo até a sua fase adulta. Pode ser definido também como uma síndrome, um conjunto de sinais e sintomas que acontecem ao mesmo tempo no paciente e pode ter causas diversas.
O TDAH é subdividido em três tipos, como esclarece a psicóloga e neuropsicóloga Bianca Lima Pereira:
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade predominantemente desatento: os sintomas de desatenção se sobressaem aos demais ou a pessoa não apresenta características significativas de hiperatividade e impulsividade.
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade predominantemente hiperativo/impulsivo: prevalência de sintomas de hiperatividade e impulsividade.
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade combinado: manifestam-se todos os sintomas acima.
Existe essa subdivisão, ensina Bianca, mas isso não é consenso na literatura, pois muitos autores são da opinião de que todas as pessoas com TDAH compartilham de ambos os sintomas, alguns em maior e outros em menor amplitude. O diagnóstico, continua a especialista, também especifica a intensidade com que esses sintomas se manifestam e podem variar de leve, moderado a severo.
O manual de classificação acrescenta que os sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos e percebidos em mais de um ambiente, por exemplo, escola, casa, com os amigos e/ou ambientes de lazer. Se os sintomas estiverem presentes apenas em um local, não é o suficiente para o diagnóstico. "Devem ainda afetar e interferir no funcionamento social, acadêmico ou profissional do paciente, incapacitando-o ou diminuindo a qualidade do seu desempenho. Os sinais não devem ser melhores explicados por outros transtornos ou condições", conclui Bianca.
Fonte: Estado de Minas
Imagem: Gerd Altmann/Pixabay