Genética e alta escolaridade aumentam risco de miopia  

por Ângela Núbia Carvalho Sousa publicado 02/01/2023 19h00, última modificação 02/01/2023 20h00
Descobertas variantes que, associadas a muitos anos de estudo e pouco tempo ao ar livre, elevam vulnerabilidade para o distúrbio visual

Uma das principais causas de deficiência irreversível na visão, a miopia tem forte componente genético. Mas só o DNA não explica o distúrbio: pela primeira vez, pesquisadores encontraram cinco variantes que, associadas a muitos anos de escolaridade e a pouco tempo ao ar livre, elevam o risco do problema em adultos. O artigo, publicado na revista Plos Genetics, foi feito com dados de mais de 340 mil pessoas que vivem no Reino Unido.

 

Conduzido pela Universidade de Cardiff, o estudo mostrou que essas variantes genéticas aumentam progressivamente o risco de miopia quanto mais anos de estudo a pessoa tem, especialmente aquelas com nível universitário. Três genes nunca haviam sido identificados; os outros dois apareceram em levantamentos epidemiológicos do leste asiático onde, segundo os autores, cerca de 80% das crianças se tornam míopes (contra 30% no Ocidente).

  

"China, Taiwan, Singapura e Hong Kong têm sistemas educativos extremamente intensivos", disse, ao Correio, o principal autor, Jeremy Guggenheim. "Especulamos que a genética determina a susceptibilidade de uma pessoa à miopia, mas que a exposição a um fator de risco no estilo de vida é necessária para desencadear o seu desenvolvimento. O nosso objetivo era descobrir como os efeitos da educação e genética estavam interrelacionados", conta.

 

Segundo Guggenheim, pesquisas anteriores descobriram 450 genes associados à miopia. Na atual, os autores utilizaram um grande banco de dados genético e de saúde do Reino Unido que contém não apenas as informações médicas, mas também sobre, entre outras coisas, a escolaridade dos participantes. Com base nesse parâmetro, os cientistas buscaram, no genoma total, variantes que, combinadas a um alto nível de escolaridade, poderiam tornar as pessoas mais suscetíveis ao distúrbio oftalmológico.

 

Guggenheim adverte que ainda são necessárias mais pesquisas para entender como essas características genéticas interagem com hábitos de vida para causar a condição. "Os genes que identificamos oferecem um ponto de partida para abordar essa questão", afirma. Tiago Ribeiro, oftalmologista pediátrico do Visão Hospital de Olhos, em Brasília, diz que fazer correlações de causa e efeito são sempre um desafio. Porém, ele aponta que a pesquisa é interessante porque conseguiu identificar genes que, quando associados a um determinado estilo de vida, podem levar ao desenvolvimento de miopia.

 

 O médico destaca que longos períodos de exposição às telas - como tablets, monitores e smartphones - e pouco tempo de exposição em ambientes abertos são fatores potencialmente prejudiciais à visão. "Se o indivíduo, tendo essa genética, tem um estilo de vida no qual nunca está ao ar livre, está sempre recluso, vive no quarto, fica horas e horas no celular ou no computador, isso é um fator de predisposição para miopias de alta grau", alerta.

 

O oftalmologista Renato Braz Dias, especialista em retina e vítreo do Hospital de Olhos Inob, em Brasília, explica que, para o olho humano conseguir enxergar de perto, há pequenas estruturas dentro do cristalino, com a função de regular o foco dos objetos. "Quando se olha para longe, por exemplo, em uma paisagem, sentimos um conforto visual porque essa musculatura dentro dos olhos é relaxada." Ao diminuir a distância de visão, a musculatura precisa contrair para focar os objetos próximos, e a consequência de repetir essas tarefas continuamente é o cansaço ocular. "A longo prazo, esse esforço constante em pessoas com a predisposição genética pode facilitar o aparecimento ou progressão da miopia", diz.

 

Segundo Tiago Ribeiro, estudos estimam que 50% da população poderá ser míope até 2050, acarretando gastos à saúde pública, especialmente se a condição estiver acompanhada por complicações associadas, como glaucoma, baixa visão e descolamento da retina. O oftalmologista acredita que pesquisas que identificam variantes genéticas podem ajudar, por exemplo, a identificar regiões onde há um maior risco da população. "Por exemplo, crianças com a predisposição teriam de ser estimuladas a fazer mais atividades ao ar livre para reduzir a incidência da miopia."

 

 

Fonte: Estado de Minas

Imagem: Pexels