Brasil poderia reduzir emissões de metano em 36% até 2030
Folha de São Paulo - O Brasil se comprometeu no ano passado a colaborar com uma meta mundial de redução de 30% nas emissões de gás metano até 2030. Mas, no ritmo atual, deve chegar ao fim da década com uma alta de 7% nas emissões desse gás, a segunda substância que mais contribui com o aquecimento do planeta e é proveniente, principalmente, da agropecuária.
É o que indica uma análise divulgada na segunda (17) pelo Observatório do Clima a partir de cálculos do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) que avaliou a trajetória atual de emissões do gás.
O trabalho considerou também o potencial de redução de emissões de uma série de medidas já disponíveis no país e concluiu que, se elas forem adotadas amplamente, levariam a uma redução de 36% do problema.
O relatório "Desafios e Oportunidades para Redução das Emissões de Metano no Brasil" aponta os caminhos para isso e sugere que o país assuma uma meta própria adequada ao compromisso global voluntário firmado por cerca de 120 países no ano passado durante a COP26, conferência do clima da ONU realizada em Glasgow.
O metano (CH4), assim como o gás carbônico, é um gás que, em concentrações excessivas na atmosfera, retém o calor no planeta, colaborando com o aquecimento global. É o segundo principal gás de efeito estufa, mas ele costuma aparecer menos nas discussões porque é emitido, globalmente, em quantidades bem menores que o CO2.
Em 2020, a humanidade emitiu 52 bilhões de toneladas de CO2, contra 364 milhões de toneladas de metano. Só que uma molécula de CH4 tem um potencial de aquecimento bem maior: 28 vezes mais que uma molécula de CO2 ao longo de cem anos. No curto prazo, em 20 anos, o potencial de aquecimento é 80 vezes. Metade do aumento da temperatura do planeta já observado hoje se deve às emissões de metano.
Outra diferença é que o CH4 tem uma meia-vida bem mais curta que o CO2 —menos de 20 anos, contra mais de cem—, o que faz com que a redução das suas emissões possa ter um efeito mais rápido na contenção do aquecimento global, permitindo que a humanidade ganhe tempo para se livrar gradualmente dos combustíveis fósseis, mantendo a meta de conter o aquecimento do planeta em 1,5°C até o fim do século.
"Como tem vida curta e é mais potente, se as emissões de metano fossem todas zeradas, num período de 12, 13 anos já não haveria mais o efeito dele na atmosfera. Num período de 20 anos, para ter o mesmo efeito da redução de 1 milhão de toneladas de metano, seria necessário capturar 80 milhões de toneladas de CO2", explica Tasso Azevedo, coordenador do Seeg.
"O que interessa é o agora. Todos os gases de efeito estufa que estão na atmosfera estão aquecendo o planeta. É cumulativo, então mirar a eliminação do metano, de gases de vida curta com potencial maior, é conseguir um efeito rápido para ganhar tempo", complementa.
O Brasil pode desempenhar um papel importante nessa matemática global porque é o quinto maior emissor de metano do mundo, respondendo por 5,5% das emissões globais do gás, de acordo com o Seeg. Nossa pegada de metano é maior que a nossa pegada nas emissões totais de gases de efeito estufa. Olhando todos os gases, o país contribui com 3,3% das emissões do planeta.
De acordo com o levantamento, a maioria (72%) das emissões de metano no Brasil é proveniente da agropecuária, principalmente da fermentação entérica do gado. Das 21,7 milhões de toneladas de CH4 emitidas em 2020 no país, mais da metade (11,5 milhões) vieram do famoso arroto do boi.
As emissões provenientes de lixões e esgoto ficam em segundo lugar (16%). A queima de florestas, que é uma das principais fontes de CO2 no país, também emite metano (9% das emissões do gás). E o setor de energia e processos industriais responde por 3%.
Os pesquisadores afirmam que a adoção de um conjunto de medidas já disponíveis em todos esses setores poderia levar à redução até o fim da década de 36,4% das emissões de metano. São medidas e tecnologias que contam hoje com pouco investimento e são adotadas apenas em pequena escala, como as previstas no chamado plano ABC (agricultura de baixo carbono).
É na pecuária onde estão os maiores potenciais de redução de emissões. Um manejo melhor da pastagem, por exemplo, para que o animal coma mais massa verde e menos palha —ou mais composto energético e menos fibra— melhora a sua digestão. Quanto mais fibra, mais celulose e é no processo de digestão da celulose, que é difícil e demorado, que se gera mais metano.
Por outro lado, ao comer um pasto melhor, o animal engorda mais rápido, o que permite também um abate mais cedo. Quanto mais velho é o boi, mais ele emite. Há ainda possibilidades de fazer melhorias genéticas no gado para que ele tenha uma produtividade maior, engorde mais rápido ou tenha uma transformação menor de metano no sistema digestivo, por exemplo.
O país já tem, desde 2020, um programa para incentivar essas medidas, o ABC, mas só 2% do crédito rural são destinados para financiar essas técnicas. "Hoje não deveria haver mais incentivo para a pecuária que não fosse de baixo carbono. Todo o financiamento público deveria ir para isso. Porque não se perde com a prática de baixo carbono. São todas medidas com cobeneficios claros, de aumento da produção", diz Azevedo.
"Ainda há uma distância entre quem detém a tecnologia e quem aplica no campo. É uma barreira muitas vezes financeira, de falta de incentivo, dificuldade de acesso ao crédito. Mas também tem uma barreira cultural. O produtor nem sempre entende o benefício, acha que é só ambiental, mas na maioria das vezes são medidas que trazem maior eficiência e maior ganho com produtividade", complementa Renata Fragoso Potenza, coordenadora de projetos de clima e emissões do Imaflora, responsável pela parte de agropecuária do levantamento.
O relatório sugere ainda práticas para o setor de resíduos, como o aproveitamento do metano produzido em aterros para a geração de energia; a substituição da queima de lenha em ambientes urbanos, além de medidas óbvias como uma melhoria do saneamento e o fim das queimadas.
Fonte: Folha de São Paulo
imagem: Ricardo Moraes/Reuters